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“A separação é mais terrível do que a morte”, diz Mathieu Amalric

Mathieu Amalric é uma força da natureza. Sim, você pode não achar isso. Aliás, é bem provável que não pense no ator e diretor francês dessa forma. Suas feições são sempre alegres, o semblante tranquilo. No entanto, não é isso que você encontra no seu cinema, principalmente nos filmes com sua assinatura na direção, como ‘O Quarto Azul’, ‘Barbara’ e, agora, ‘Hold me Tight‘. O filme estreou no catálogo brasileiro do serviço de streaming MUBI já nesta quarta-feira, 30.

São filmes carregados de emoção. Genuinamente franceses, principalmente pelos dilemas que se apresentam. Mas até poderiam ter algo de espanhol ou de italiano nas suas tramas, sempre carregadas de drama, de emoção e, claro, força.

Cineasta está lançando seu novo filme, ‘Hold me Tight’, pela MUBI (Crédito: WikiCommons)
No entanto, o Filmelier também pode dizer com segurança que Amalric também é uma força da natureza na conversa, no encontro, no “mundo real”. Tivemos o prazer de ter um papo de cerca de 20 minutos com o ator e diretor na última semana. Nesse tempo todo, que em entrevistas comuns costumam render seis ou sete perguntas, a reportagem conseguiu fazer apenas duas. Parece frustrante? Nada disso: Amalric, ao longo desse um quarto de hora, encantou.

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Ele fala sobre ‘Hold me Tight’ com paixão. O filme, que conta a história de Clarisse (Vicky Krieps), uma mulher que decide, um dia, ir embora de casa, faz com que o francês fale com um brilho nos olhos. Ele não esconde, da reportagem do outro lado da tela, que está empolgado com o longa-metragem. E olha que nem é uma ideia que veio do próprio Amalric: o filme é baseado em uma peça da dramaturga Claudine Galea, de grande sucesso há anos. Mas nada disso importa. Amalric parece estar amando. O que? Fazer cinema e falar sobre cinema. E afinal, o que atraiu Amalric para o texto de Galea? “Por que nós fazemos coisas? É fascinante. Não sei. É como Clarisse, que não entende o que a faz sair de casa”, diz ele, pra começo de papo. “Mas eu queria falar de coisas melodramáticas, do trágico e como você lida com a tragédia. Geralmente, com lágrimas. Só que meu objetivo era falar isso sem levar as pessoas ao choro”.

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Segundo ele, ‘Hold me Tight’ nasce a partir do desejo de mostrar a energia de como cada pessoa na Terra lida com a perda. No caso do filme, perdas amorosas. “Uma separação é mais terrível do que a morte, eu acho. É a coisa mais terrível da vida. Afinal, é a mesma coisa que a morte, só que a pessoa continua ali e talvez feliz sem você”, diz Amalric. “Isso era o que eu estava obcecado em falar sobre e foi quando encontrei essa história impecável da Claudine”.

Em ‘Hold me Tight’, Mathieu Amalric inverte os polos

Esse medo da separação surge logo que Clarisse sai de casa. É aí que surgem duas verticais narrativas do filme: de um lado, entender o que motivou a protagonista a abandonar a família e seguir uma nova vida, compreendendo melhor seus sentimentos; do outro, a mente que não para de voltar ao ambiente familiar, pensando o que deve ter acontecido com marido e filhos depois da partida abrupta. A dor da separação chega para todos e, é claro, de várias formas. A partir dessas perspectivas, porém, Amalric encontra o principal refresco de ‘Hold me Tight’: a inversão de polos. Ao se falar de filmes de pessoas abandonando suas famílias, quase sempre a história se concentra em uma figura masculina. É o homem que deixa o lar; a mulher fica. O longa-metragem de Amalric, assim como o texto de Claudine Galea, vai por outro caminho, por outro gênero e, assim, traça um outro momento e perspectiva que vivemos hoje.
Vicky Krieps é a alma de ‘Hold me Tight’ (Crédito: Divulgação/MUBI)
A genialidade da história surge, ainda, nos “pensamentos” da personagem. É um flashback que não existe, a não ser na mente dela. Como lidar com o vazio – de pessoas, de contato, de emoções, de informações, de conversas, de vida? “Claudine inventou essa estrutura muito simples de história. Clarissa deixa a casa, deixa a família, e quanto mais longe ela vai, ela imagina a casa onde eles ficaram. Só que isso começa a não funcionar quando ela pensa que uma outra pessoa está na casa e tudo funciona muito bem”, explica Amalric. “É algo muito simples, com perguntas também muito simples que precisam ser respondidas. Como ela vai ganhar dinheiro pra viver? Ela terá contato com outros homens?” Para criar isso tudo, Amalric mergulha na essência dos seus filmes. “Era o perfume na prateleira, a neve. Todos os objetos levavam a personagem à vida. Também tivemos cuidado com a edição de som, com a fotografia”, diz. “As coisas precisavam ser verdadeiras. Agora, nesta chamada de Zoom, fico pensando: como eu sei que você é real? A parede atrás de você é branca. Não sei o motivo. Aí começo a pensar no Brasil, no Lula, no meu melhor amigo de Curitiba. Eu penso nele por ver você. Cinema é isso: a cena tem que te fazer pensar a partir das milhares de camada

Simplesmente Vicky Krieps

Muito antes da reportagem fazer a segunda pergunta sobre o trabalho com Vicky Krieps, Mathieu Amalric se adiantou: “tudo está no seu rosto e em seu corpo”. E é verdade. A atriz, que ficou conhecida por filmes como ‘Tempo’ e ‘Trama Fantasma’, volta a mostrar toda sua força dramática aqui. Ela, no silêncio de sua solidão, após abandonar tudo e partir para outra vida, diz tudo com o olhar, com o sorriso, com o toque — ou, simplesmente, com a ausência disso tudo.
É uma diferença brutal para as outras atuações do filme. Não que sejam inferiores: são apenas diferentes demais em suas essências. “Arieh Worthalter, [que interpreta o marido de Clarisse], interpreta um fantasma. Ele não existe. É apenas a projeção dela. Mas eu queria o personagem dele e das crianças tão vivos. Tão vivos. A imaginação dela está em um delírio hiper-realista. É como uma pintura na parede que parece uma foto. Não é a mesma coisa, só parecido”. Além disso, Amalric destaca como a personagem, a partir da atuação de Krieps, traz duas diferentes interpretações possíveis do que sua personagem fez. “Você olha pra ela e pensa: ‘o que ela está fazendo? A família parece ser tão legal'”, diz o francês. “Ou, então, pode pensar como é mais corajosa do que você. Como ela fez algo que você queria fazer há seis meses. Você pensa na porta que faz barulho, no que fazer com o telefone, no que fazer com os filhos”. No final, o cineasta não consegue falar mais nada. Apenas celebrar Krieps: “Pra mim, ela não é uma atriz. É uma das mais pessoas mais cheias de vida e de luz que eu já conheci”.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

Escrito por
Matheus Mans

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