“‘O Massacre da Serra Elétrica’ viveu e morreu algumas vezes”, diz roteirista do filme “‘O Massacre da Serra Elétrica’ viveu e morreu algumas vezes”, diz roteirista do filme

“‘O Massacre da Serra Elétrica’ viveu e morreu algumas vezes”, diz roteirista do filme

Em entrevista ao Filmelier, Kim Henkel fala sobre o processo de criação do filme clássico e o que gosta no cinema de hoje em dia

Matheus Mans   |  
13 de fevereiro de 2023 23:00
- Atualizado em 15 de fevereiro de 2023 13:25

Se há algum nome vivo diretamente envolvido na criação do cinema de terror slasher, esta pessoa é Kim Henkel. Aos 77 anos, o americano é dono de um sotaque texano carregado e de histórias que deixam qualquer fã de cinema com os olhos brilhando. Afinal, ao lado de Tobe Hooper, ele é a mente por trás da história do clássico ‘O Massacre da Serra Elétrica’ – filme que começa a retornar aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 16, em versão restaurada em 2K. Ao longo das próximas semanas, o filme irá estrear em mais cidades brasileiras.

E pode-se dizer que ‘O Massacre da Serra Elétrica’ não é mais um filme slasher, mas um dos grandes. Ao lado de ‘Halloween’, de John Carpenter, é uma das bases fundamentais do cinema slasher, que faz sucesso até hoje em dia com filmes como ‘A Morte Te Dá Parabéns’, novas histórias de ‘Pânico’ e até uma releitura, é claro, de ‘O Massacre da Serra Elétrica’. São filmes que, para Henkel, tocam em questões fundamentais da sociedade.

Com ‘O Massacre da Serra Elétrica’, Leatherface se tornou um dos vilões mais icônicos do cinema (Crédito: Synapse)

No entanto, nem tudo foi fácil na jornada. Henkel e Tobe Hooper, que também assinou a direção do longa-metragem. Se hoje o roteirista é entrevistado por um veículo brasileiro que quer saber de suas ideias, opiniões e pensamentos, na década de 1970 nada era certo. “‘O Massacre da Serra Elétrica’ viveu e morreu algumas vezes. E com o passar dos anos foi evoluindo”, diz ele, ao Filmelier. A seguir, confira a entrevista completa com Kim Henkel.

Filmelier: Como foi a criação de ‘O Massacre da Serra Elétrica’? Como foi o processo entre você e Tobe Hooper?

Publicidade

Kim Henkel: Na época, eu estava trabalhando como ilustrador enquanto escrevíamos o filme. Esse era o meu dia a dia: eu saía do trabalho [como ilustrador] no final do dia, ia para casa, passava algum tempo com minha esposa à noite, jantava e depois caminhava até a casa de Tobe. E, na verdade, não era uma caminhada muito longa da minha casa. Eu ia até lá por volta das 10 horas da noite, e trabalhávamos até as duas ou três da manhã, eu voltava para casa e no dia seguinte era praticamente a mesma coisa. E quando nos sentamos, realmente, para escrevê-lo, havia alguns caminhos para isso. Havíamos conversado alguns anos antes sobre a estrutura da história e a acertamos muito bem. Mas tivemos uma espécie de desacordo fundamental sobre quem poderia ser o monstro. E então nós meio que nos deparamos com esse tipo de obstáculo e deixamos as coisas de lado. Até que, um dia, Tobe me ligou e disse que ele basicamente tinha a ideia de tornar os bandidos humanos. Foi neste momento que surgiu esse personagem, o Leatherface.

Nos sentamos e aplicamos isso à estrutura da história que já havíamos criado, que pegamos emprestado em grande parte de ‘João e Maria’. A gente conversava sobre o roteiro como se fosse um filme passando em nossas mentes, e conversamos cena por cena. E, depois que terminamos, sentei-me à mesa e comecei a escrever as cenas. E eu escrevia quatro ou cinco páginas, trazia para Tobe, ele as revisava. E basicamente nosso critério era se eu o mantivesse rindo, estaríamos bem. Sentimos que havia muito humor ali. Acho que não ficou aparente por algum tempo depois que o filme foi lançado, mas acho que finalmente as pessoas começaram a perceber que há algumas coisas muito engraçadas no filme original de ‘O Massacre da Serra Elétrica’. Esse foi o processo. Quando nos sentamos para escrever, terminamos o primeiro rascunho em cerca de seis semanas. Foi bem rápido.

Filmelier: Você imaginava que ‘O Massacre da Serra Elétrica’ faria tanto sucesso?

Henkel: Bem, havíamos trabalhado em ‘Eggshells’ alguns anos antes e não foi muito bem. Não havia o tipo de mercado auxiliar que existe hoje. Ou você entrava no cinema ou morria na prateleira. Não havia mais nada. E para filmes independentes romperem essa barreira e realmente serem lançados no cinema foi extremamente difícil. Então resolvemos que, se quiséssemos colocar um filme no cinema, teríamos que fazer algumas escolhas muito difíceis. Percebemos que não tínhamos nenhum destaque: nem nós mesmos, não poderíamos chamar nenhuma estrela de cinema, não tínhamos dinheiro, então teríamos que trabalhar sem orçamento. Então, sentimos que nossas opções naquela época eram duas coisas: fazer ficção científica ou terror. Escolhemos fazer terror e nos propusemos a fazer algo que pensávamos que realmente chegaria aos cinemas. Mas estávamos fora da indústria e não acostumados com o processo de homogeneização. Basicamente, os projetos que passam por estúdios tendem a ser modificados e homogeneizados.

Nós não tínhamos isso. Então, o que produzimos foi chocante. Tivemos muita dificuldade em conseguir distribuição e ficamos muito gratos quando conseguimos um distribuidor para termos um lançamento. A gente sentia que era um filme com algum impacto, que criamos algo tão emocionante quanto ir em uma montanha-russa. Nosso medo era que não teria ninguém disposto a assistir ao filme. Até que, quando foi lançado, foi recebido com choque e horror. Os críticos o odiaram, disseram que era uma coisa horrível, vergonhosa. Só alguns críticos, como Rex Reed, que estava na vanguarda do público, que reconheceram algum valor no filme. Por isso, ‘O Massacre da Serra Elétrica’ viveu e morreu algumas vezes. E com o passar dos anos foi evoluindo. A maneira como as pessoas olham para isso, como é recebido pela crítica, tem sido um processo de evolução que acompanho até hoje em dia.

Filmelier: Por que acha que o filme faz tanto sucesso ainda hoje?

Henkel: Difícil dizer. Acho que lida com dilemas fundamentais de nossos tempos que se tornaram decisivos. O que está acontecendo talvez seja ainda mais poderoso de certa forma, pois levanta a questão: como um indivíduo em minha extensão de família e por uma extensão adicional da sociedade, o que você é capaz de fazer em defesa de seu modo de vida, mesmo a sua sobrevivência? Quais são os limites do que você pode fazer como um ser humano decente para proteger essas coisas? E eu acho que isso levanta a questão aqui. O clichê antigo era: o que você pode fazer? Bem, você pode matá-los, mas não pode comê-los. E então queríamos ir além desse ponto. Sim, você pode comê-los. Você pode, porque é isso que fazemos quando vamos para a guerra e outras coisas. Acho que, de uma forma fundamental, talvez toque nesses tipos de conceitos de uma forma muito visceral.

Cena de O Massacre da Serra Elétrica
Filme mostra o ser humano em uma situação extrema — nos colocando dentro da história (Crédito: Synapse)

Filmelier: Talvez esse seja o mesmo motivo do sucesso dos slashers ainda hoje em dia?

Henkel: Não sei. Acho que basicamente as pessoas gostam de um tipo de filme baseado puramente no entretenimento, e isso proporciona alívio e fuga. Mas acho que muitos deles tentam abordar outras questões também. Para mim, o melhor deles, ‘A Noite dos Mortos Vivos’, de George Romero, foi uma grande inspiração. Ele está fazendo mais do que apenas entreter. E acho que os melhores fazem isso. Eles refletem sua vida dessa maneira. Reconhecemos isso como algo no âmago de nosso ser e o que acontece em nosso mundo.

Filmelier: E o que o sr. acha das sequências de ‘O Massacre da Serra Elétrica’?

Henkel: Quando você tem um filme que se tornou clássico, ‘O Massacre da Serra Elétrica’ tem sequências quase invariavelmente destinadas a ser uma decepção. Você se esforça para fazer o melhor, mas é meio impossível recriar o que fizemos naquela época. Era um produto tão artesanal. Discutimos cada pequeno detalhe. É quase impossível fazer filmes assim, exceto de forma independente, e nós meio que fomos além disso. Portanto, tenho grandes esperanças, mas é preciso muito para tentar voltar àquela qualidade muito pessoal do original. Temos planos de fazer um filme, estamos trabalhando agora no conceito e no roteiro. Queremos tentar ter um filme pronto para lançamento no 50º aniversário do lançamento do original. E acho que trabalhar com pessoas muito, muito boas, e tenho grandes esperanças de que, pela primeira vez, possamos criar um filme que se destaque acima do rebanho. Ainda acho que houve algumas sequências interessantes, mas muitos deles simplesmente caíram de cara. E acho que temos uma oportunidade real agora de fazer algo especial para o 50º aniversário de lançamento de ‘O Massacre da Serra Elétrica’.

Filmelier: E o que acha dos filmes de terror hoje em dia, no geral?

Henkel: Bem, para falar a verdade, tenho que confessar, não assisto muitos filmes de terror, mas gosto de alguns. Gostei de ‘X: A Marca da Morte’, do Ti West. Ele fez algumas coisas interessantes no filme. Este espaço em que chamamos algo de horror versus drama comum. Às vezes, essas linhas não são claramente traçadas. E então, quando você começa a me perguntar sobre filmes, acho que começo a pensar em filmes interessantes que tenho visto ultimamente. E não acho que caia estritamente na categoria de terror, mas em muitos aspectos é um filme de terror. ‘Red Rocket’, por exemplo. Esse é um dos filmes que eu vi recentemente que realmente me impressionou, que eu realmente senti que era atraente e interessante, feito com um orçamento muito baixo, tipo de coisa independente, mas chegou a algo que te impressionou. Você percebeu que não estava assistindo a algo que parecia um conjunto de coisas que saiu da linha de montagem. Você estava assistindo alguém fazer um filme que era sincero para eles, que saiu de sua experiência, de sua vida.

Quer assistir a ‘O Massacre da Serra Elétrica’? Clique aqui para comprar ingressos. Lembrando que o filme irá estrear em mais cidades em breve.

Siga o Filmelier no FacebookTwitterInstagram e TikTok.