‘O Massacre da Serra Elétrica’: tudo sobre o clássico do terror slasher ‘O Massacre da Serra Elétrica’: tudo sobre o clássico do terror slasher

‘O Massacre da Serra Elétrica’: tudo sobre o clássico do terror slasher

Filmado com um orçamento apertado, ‘O Massacre da Serra Elétrica’ é um dos filmes de terror mais influentes da história

Lalo Ortega   |  
31 de janeiro de 2023 11:00

“O filme que você está prestes a ver é um relato da tragédia que se abateu sobre um grupo de cinco jovens, especialmente Sally Hardesty e seu irmão deficiente, Franklin”, diz o texto no início de ‘O Massacre da Serra Elétrica’. O filme já um clássico fundador do slasher, um popular subgênero de filmes de terror. “Os acontecimentos daquele dia levaram à descoberta de um dos crimes mais bizarros dos anais da história dos Estados Unidos”, conclui.

Nesse texto inicial, narrado pela voz de John Larroquette, está um dos fatores que fizeram do filme filmado por Tobe Hooper um sucesso quando estreou em 1974. Foi promovido como uma produção baseada em fatos reais, aproveitando a curiosidade da audiência e, mais profundamente, um clima político tenso durante esse período.

Este é um dos elementos que mais fascina em torno de ‘O Massacre da Serra Elétrica’, mesmo quase cinco décadas depois de seu lançamento (o filme foi rodado em 1973). Mas não é só isso: a produção que apresentou Leatherface ao mundo tem sido uma das mais influentes no terror, sendo precursora de seu popular subgênero, o slasher. Falamos sobre isso abaixo.

Sobre o que é ‘O Massacre da Serra Elétrica’?

‘O Massacre da Serra Elétrica’ é sobre um grupo de cinco jovens que partem em uma jornada para uma área rural do Texas, onde ocorreu um terrível roubo de túmulo. O avô de dois dos jovens, Sally Hardesty (Marilyn Burns) e seu irmão Franklin (Paul A. Partain), foi enterrado lá, então eles decidem ir investigar.

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Então eles têm um estranho encontro com um caroneiro perturbador. Com pouca gasolina, eles decidem parar na casa abandonada de Hardesty na área. Então eles vão até a porta ao lado para pedir ajuda, mas são recebidos pelo violento Leatherface.

‘O Massacre da Serra Elétrica’ é uma história verdadeira?

A narração de abertura de ‘O Massacre da Serra Elétrica’ sugere que é baseado em uma história que aconteceu. Mesmo os materiais promocionais da época, como o cartaz, dão a entender que se trata de uma recriação de acontecimentos reais.

‘O Massacre da Serra Elétrica’ foi promovido como factual (Crédito: Bryanston Distributing Company)

No entanto, este não é o caso. Ou pelo menos não inteiramente. Os eventos retratados no filme nunca aconteceram, mas o diretor e roteirista Tobe Hooper afirmou que uma de suas influências foi o caso de Ed Gein, também conhecido como “O Açougueiro de Plainfield”.

Durante a década de 1950, Gein cometeu uma série de crimes em sua cidade natal, Plainfield, Wisconsin. Entre elas, a exumação de vários cadáveres para confecção de troféus e souvenirs com pele e ossos humanos; além do assassinato de pelo menos duas mulheres.

A influência de Tobe Hooper no filme é clara, pois há enfeites e instrumentos criados com pele e ossos humanos na casa de Leatherface. Os crimes de Gein, vale dizer, também serviram de inspiração para ‘Psicose‘ (1960) e ‘O Silêncio dos Inocentes‘ (1991).

O co-roteirista Kim Henkel também se inspirou nos assassinatos cometidos durante a década de 1970 por Elmer Wayne Henley, um jovem que procurava vítimas para um homem mais velho, Dean Arnold Corll. Segundo Henkel, ele ficou impressionado com a “esquizofrenia moral” de ver Henley, uma vez pego, admitir os crimes e dizer que “assumiria a responsabilidade como um homem”, qualidade que tentou imprimir nos personagens do filme.

Além disso, no entanto, os eventos de ‘O Massacre da Serra Elétrica’ realmente não aconteceram.

Então, por que ‘O Massacre da Serra Elétrica’ foi promovido como factual?

O início do filme, que imita reportagens e documentários da época, foi na verdade uma forma de desinformação intencional. Segundo Hooper, foi uma forma sutil de comentar a desconfiança da desinformação oficial da época. Lembremos que foi a época em que Watergate foi descoberto e os massacres na Guerra do Vietnã foram protestados.

A isso devemos acrescentar a forma gráfica com que a mídia cobriu este último assunto. Essa falta de empatia em retratar a realidade levou Hooper à conclusão de que “a humanidade era o verdadeiro monstro, só que com outra face, então coloquei uma máscara literal no monstro do meu filme”.

Aí está a razão pela qual Leatherface usa outro rosto, no sentido literal (Crédito: Synapse)

O significado de ‘O Massacre da Serra Elétrica’: Retratos da Marginalização

No entanto, o filme tem leituras muito mais profundas. Se partirmos do termo “esquizofrenia”, então podemos ver nele duas identidades que se confrontam. Especificamente, duas identidades de um país, os Estados Unidos, que entram em conflito.

Spoiler abaixo.

Após a narração inicial, a que se segue a imagem mórbida de um monumento erguido num cemitério com pedaços de cadáveres, vemos os nossos jovens protagonistas. Eles andam de van, falam sobre astrologia e como é violenta a indústria da carne, com a qual a família de Sally e Hardesty tem um passado.

Eles são um contraste gritante com os residentes da cidade rural do Texas para onde viajam, longe de tudo. Agricultores embriagados, provavelmente desempregados devido à industrialização. Como o caroneiro perturbador (Edwin Neal) dirá mais tarde, vários fazendeiros ficaram sem trabalho graças à introdução de armas de parafuso, que facilitam o abate de gado.

‘O Massacre da Serra Elétrica’ apresenta, então, a tensão entre dois Estados Unidos: o país da juventude cosmopolita e progressista, e o dos marginalizados, esquecidos pela civilização e por esse mesmo progresso, e que só querem seus empregos de volta.

Sally Marilyn Burns é uma das ‘final girls’ mais icônicas (Crédito: Synapse)

Texas, uma paisagem imortalizada e mitificada pelo western, e que durante os anos 1960 e 1970 foi o coração ocidental da corrida espacial; foi aqui o cenário da decadência. Aspecto exacerbado pela direção de Hooper, que filma com um realismo reservado aos documentários.

Porém, nessa tensão esquizofrênica das identidades americanas, o diretor toma partido. Metade da América de Richard Nixon está perseguindo a outra, de motosserra na mão, embelezando o rosto de seus concidadãos. Está claro quem são os bandidos, como diz o livro ‘Horror Cinema’, de Paul Duncan e Jürgen Müller:

“[…] não existem monstros ou seres sobrenaturais, mas pessoas que se tornam assassinos de sangue frio. Ainda que Leatherface possa ser considerado um dos mais famosos açougueiros do celuloide, o pior monstro desse filme é, na verdade, um sentido metafórico, a família americana. Tanto a casa dos avós de Sally quanto a dos vizinhos são casas mal-assombradas cheias de quartos proibidos nos quais você não pode entrar. Como nas histórias, a violação involuntária de certas regras resulta em morte ou sofrimento sádico, tortura que muitas vezes evoca memórias de desamparo e provocações exasperantes sofridas na infância ou adolescência.

E talvez nenhuma cena em ‘O Massacre da Serra Elétrica’ ilustre isso melhor do que seu clímax: o “jantar” no qual Sally é forçada a se sentar com toda a “família” de seus assassinos. Cada um dos membros – incluindo Leatherface, que usa um rosto de mulher “maquiado” – parodiam os papéis de uma típica família americana, um ideal que caiu em uma profunda perversão de si mesmo.

A sequência do jantar é uma das mais significativas do filme (Crédito: Synapse)

O impacto e o legado de ‘O Massacre da Serra Elétrica’

Produzido com um orçamento minúsculo entre US$ 80 mil e US$ 140 mil, ‘O Massacre da Serra Elétrica’, ao longo do tempo, arrecadou cerca de US$ 30 milhões nas bilheterias (de acordo com o Box Office Mojo). Ao fazer isso, ele se junta a um seleto clube de filmes de terror independentes que têm sido um enorme sucesso, como ‘A Noite dos Mortos-Vivos‘, de George A. Romero, ou ‘Halloween‘, de John Carpenter.

O filme deu origem a uma série de sequências, prequels e reboots, geralmente de baixíssima qualidade (incluindo a versão de 2022 de ‘O Massacre da Serra Elétrica’, lançada pela Netflix, que funciona como uma “requência”).

Na realidade, o verdadeiro impacto e legado de ‘O Massacre da Serra Elétrica’ está além de sua própria franquia. O filme de Tobe Hooper estabeleceu várias influências para filmes de terror posteriores. Em primeiro lugar, é um ótimo exemplo de como o terror pode funcionar metaforicamente para comentar questões sociais, políticas ou psicológicas no cinema (contemporaneamente referido como “horror superior”).

Nesse sentido, o filme é muito sutil. Algo curioso é que, apesar da violência implícita de seu tema, praticamente não vemos sangue ou mutilações explícitas em todas as filmagens. O verdadeiro terror de tudo isso não está nessa violência gráfica, mas na ameaça de um “outro” cujas ações e motivações não conseguimos entender.

Por outro lado, ‘O Massacre da Serra Elétrica’ estabeleceu várias das convenções do slasher comercial americano. Entre eles, temas recorrentes como a final girl e a representação de um mal abstrato em uma figura silenciosa e anônima. Na genealogia dos vilões do terror, Leatherface é o pai de Michael Myers e o avô de Jason Voorhees.

Os ícones slasher são por conta de Leatherface (Créditos: Paramount Pictures / Compass International Pictures)

Ao mesmo tempo, este é um filme que lançou uma busca estética de cinco décadas para ultrapassar os limites do subgênero.

Hoje podemos falar sobre a metatextualidade de filmes como ‘Pânico‘, a fantasia de loops temporais em ‘A Morte te Dá Parabéns‘, a paródia de ‘Morte. Morte. Morte.‘ ou os comentários sociais e políticos de propostas como ‘Uma Noite de Crime‘, o novo Candyman ou a recente sequência do Halloween.

Também há quem faça o caminho inverso e, em vez da substância do roteiro, abrace a violência cometida pelos assassinos para levá-la às últimas consequências. Podemos falar de ‘Jogos Mortais‘ para citar um exemplo, ou dos extremos radicais alcançados por ‘Terrifier‘ e sua sequência.

Na verdade, ‘O Massacre da Serra Elétrica’ é um dos filmes de terror mais influentes de todos os tempos, mesmo referenciado de maneiras mais superficiais. Com uma perspectiva mais exploradora, ‘A Casa dos 1000 Corpos’, de Rob Zombie, retoma muitos elementos do filme de Hooper. Mais recentemente, ‘X: A Marca da Morte‘, de Ti West, recicla uma narrativa semelhante para comentar sobre a sociedade do showbiz e a busca pela fama.

Tudo o que foi dito acima fala de seu profundo impacto e legado no cinema, não apenas no terror. O crítico Bill Nichols escreveu que “atinge a força da verdadeira arte, é profundamente perturbador, intensamente pessoal e, ao mesmo tempo, muito mais do que pessoal”. O tipo de filme de terror que, para o bem ou para o mal, dificilmente será repetido.

Onde assistir ao filme ‘O Massacre da Serra Elétrica’?

‘O Massacre da Serra Elétrica’ volta em breve aos cinemas. Confira mais informações e acompanhe o relançamento neste link.

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