Filmes

‘Independências’, minissérie da TV Cultura, ilumina histórias do Brasil

Quando se fala que a História do Brasil contada nos livros não é tão precisa quanto deveria, muitos lembram de aspectos “divertidos” da coisa – a dor de barriga de D. Pedro I, as traições e por aí vai. Mas as diferenças vão além: estão na raiz do Brasil, com povos africanos e nativos sendo apagados do processo histórico. E é justamente sobre isso que fala a série ‘Independências’, estreia da programação da TV Cultura desta quarta, 7 de setembro.

A minissérie de 16 capítulos, dirigida por Luiz Fernando Carvalho (de filmes como ‘Lavoura Arcaica’ e séries como ‘Capitu’), mergulha nos diversos olhares da Independência do Brasil. Não observa apenas a chegada dos portugueses na Terra de Santa Cruz, como também observa a situação dos povos africanos e nativos. É um mosaico raro e inédito, nunca antes visto nas representações audiovisuais brasileiras, e que tenta mostrar a pluralidade da nossa nação.

Isábel Zuaa está no elenco de ‘Independências’ (Crédito: Divulgação/TV Cultura)
“O primeiro capítulo é o abre-alas para esse plural de ‘Independências’, que vai vir ao longo da minissérie”, diz Luiz. “Não é um projeto sobre o 7 de setembro, mas também sobre a aurora do século XIX, que começava com a vinda da família real do Brasil e que termina com a morte de D. Pedro I. No meio dessa trajetória, surge a Independência, mostrada de forma a incluir e a iluminar todos esses personagens e heróis à frente de levantes e lutas”.

Novos olhares

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No primeiro episódio, conferido pelo Filmelier, ‘Independências’ aponta para dois caminhos interessantes. Primeiramente, há uma representação mais teatral e experimental da História. Ao invés de navios, castelos e um Brasil antes da chegada da família real, temos cenários chapados, geralmente formados por uma única cor, e que remetem ao teatro. Fuga de obviedades para alcançar uma nota mais criativa e interessante. “Essa é a minha ideia de televisão, onde privilegio o ator, o mensageiro. Tudo que vai além do ator é absolutamente desnecessário. Quando você tem uma mensagem que é preponderante, que é importante, que é necessária, que é fundamental, o ator se torna uma figura indispensável”, diz o diretor. “Talvez pela primeira vez, em termos de teledramaturgia, falamos sobre o período a partir de uma forma não-colonialista”.  Além disso, fica evidente como ‘Independências’ traz retratos diferenciados dos personagens envolvidos na história brasileira. Dom João VI, por exemplo, deixa de ser aquela caricatura típica. “Ele não é um comedor de coxinhas”, diz Antônio Fagundes, intérprete do monarca português, em conversa com o Filmelier. “Ele era um estrategista, que fez uma movimentação inteligente para proteger Portugal contra Napoleão”. O mesmo acontece com Dona Maria (Walderez de Barros) e Carlota Joaquina (Ilana Kaplan), que passam por releituras. A primeira tem a sua conhecida loucura mais aprofundada. “A série começa em um ponto em que ela já está louca, mas que apresenta algum contexto. Tem toda a questão religiosa, por exemplo, que a deixou assim”, diz Walderez, ao Filmelier. “É poderoso ver como ela se integrava à sociedade brasileira”.
Já Carlota Joaquina, uma das personagens mais comentadas na historiografia brasileira e que já teve um filme sobre sua história com Marieta Severo, passa por uma releitura contemporânea. “Ela era tudo o que falavam mesmo. Xingava, fumava, transava”, diz Ilana Kaplan. “No entanto, é preciso perceber como ela era uma mulher à frente do seu tempo, que conseguia ver sua presença na sociedade de forma distinta”.

Enfim, Independências

Nesse cenário, fica evidente a escolha pelo título ‘Independências’, no plural. São vários olhares, buscas, interpretações, pontos de vista, ideias. “Por exemplo, D. Pedro I não era o único representante digno do que estava acontecendo no período da Independência”, explica Luiz Fernando. “Tinha Maria Filipa, Frei Caneca, Bonifácio, Leopoldina. Hoje, está cada vez mais evidente como é preciso desconstruir a putrefação histórica”. Por fim, a minissérie ganha ainda mais força, a partir dessa reinterpretação, por conta do momento que o Brasil vive. Em Brasília, o governo gasta dinheiro para trazer o coração de D. Pedro I para o Brasil – em decisão que historiadores simplesmente não entendem. Além disso, Jair Bolsonaro trabalha para transformar o 7 de setembro em uma data política. Mais do que sequestrar o verde e amarelo, sequestra a Independência.  “O coração de D. Pedro I foi trazido por esse mito de araque apenas para gastar nosso dinheiro. Uma besteira tremenda. Mas isso conversa com a história de D. Pedro I”, diz Daniel de Oliveira, intérprete do monarca na série. “A gente vive até hoje em um país machista e misógino. Imagina há 200 anos. Leopoldina estava na cadeira do poder e ela, junto com José Bonifácio, assinou a Independência. Foi feita por uma mulher. E isso foi deixado pra lá com o tempo, valorizando, pra variar, a figura do homem”.

‘Independências’ vai passar exclusivamente na TV Cultura. Estreia nesta quarta-feira, 7, às 22h. A exibição dos episódios será semanal.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

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