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‘Mais que Amigos’ é uma comédia romântica hilária que tropeça, por vezes, em sua autoconsciência

Assim que ‘Mais que Amigos‘ começa somos bombardeados pela explosão verbal de Billy Eichner. Além de servir como roteirista, Eichner estrela como Bobby Lieber, um podcaster gay que vê o amor com cinismo e se orgulha de duas coisas: sua independência e seu trabalho como curador de um Museu de História LGBTQ+ que está por abrir as portas em Nova York.

Em uma sequência que abusa de metalinguagem no início do filme, Bobby conta como um produtor de Hollywood pediu para ele escrever uma comédia romântica sobre um casal gay, mas para sensibilidades heterossexuais. Ele decide rejeitá-lo, alegando que a experiência LGBTQ+ é radicalmente diferente e que ele não quer fazer as típicas “merdas de Hollywood”.

Em outras palavras, ‘Mais que Amigos’ deixa suas intenções claras desde os primeiros minutos: esta não é sua típica comédia romântica de boy meets girl com todos os clichês que o gênero implica. De fato, a partir dos materiais promocionais, ela estabelece sua importância: “a primeira comédia romântica de um grande estúdio sobre dois gays com um elenco principal LGBT”, nos dizem os cartazes, trailers e spots de TV.

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Ou seja: boy meets boy. Neste caso, o cínico e intelectual Bobby conhece o atlético Aaron (Luke Macfarlane) em uma festa. Eles começam a namorar e se conhecer, apesar de serem opostos e do óbvio medo de compromisso que ambos têm. Isso é um clichê de Hollywood nesta comédia romântica atípica de Hollywood.
Os protagonistas Bobby e Aron. Eles têm sérios problemas de compromisso (Créditos: Universal Pictures)
Eichner não escreveu as regras do gênero, mas, curiosamente, ele também não quebra muitas delas, apesar de sua aberta declaração de intenções. Será que não há necessidade de consertar o que está quebrado? Ainda assim, apesar de sua convencionalidade narrativa, ‘Mais que Amigos’ quebra barreiras em outras áreas. Além de seu elenco predominantemente LGBTQ+, o filme dirigido por Nick Stoller (‘Vizinhos’) retrata a vida sexual e romântica gay com uma facilidade refrescante e honesta que envergonha décadas de romances de filmes americanos (lembra quando Hollywood aparentemente baniu um casal na mesma cama? Tempos estranhos). É um filme consciente de sua própria importância nesse sentido, talvez consciente demais. Assim como Bobby se mete em problemas por sua paixão quase conflituosa por recuperar a história LGBTQ+, o roteiro de Eichner tropeça quando ele troca essa naturalidade por um discurso panfletário. No entanto, não é um problema catastrófico ou motivado por frivolidade, mas por aquele desejo necessário de uma justa reivindicação.

‘Mais que Amigos’ mostra o quanto nos faz falta um Museu de História LGBTQ+

Uma das subtramas do filme mostra Bobby lutando pela sobrevivência do Museu de História LGBTQ+ (existem projetos desse tipo em Nova York e na Flórida, caso você esteja se perguntando). É uma missão pessoal para ele: sua convicção fervorosa de que devemos romper com as visões heteronormativas da história leva a um dos principais conflitos do filme. Em certo sentido, a mera existência de ‘Mais que Amigos’ é uma demonstração dessa heteronormatividade hegemônica. Claro, houve representações cinematográficas da comunidade LGBTQ+, mas nunca uma com um grande orçamento de um dos maiores estúdios do planeta. E com certeza, haverá quem traga para a mesa o caso de ‘Midnight Cowboy’, vencedor do Oscar de Melhor Filme. Mas é um drama sórdido e deprimente sobre a homossexualidade.
O Museu de História LGBTQ+ é uma das principais subtramas de ‘Mais que Amigos’ (Créditos: Universal Pictures)
O que leva a outro ponto levantado pelo roteiro de Eichner, que zomba de sua própria indústria e produções aclamadas como ‘O Segredo de Brokeback Mountain‘: que raramente vemos um retrato natural e alegre de um romance gay, lésbico, bi ou trans que não acabe em tragédia (uma daquelas que movem a sensibilidade hipócrita e moral da Academia para dar um Oscar a um ator heterossexual como Jared Leto). Nesse sentido, ‘Mais que Amigos’ tropeça na consciência de sua própria importância, optando em certos momentos por comentários excessivos que, às vezes, estendem desnecessariamente a duração do filme. Não é útil (e até contraditório) quando é sustentado por certos estereótipos da comunidade que representa. No entanto, tem o mérito de fornecer uma caracterização complexa de seus protagonistas, enraizando seus problemas nos traumas de uma juventude marcada pela repressão explícita ou internalizada, alcançando por eles uma simpatia crucial. E acima de tudo: com uma risada atrás da outra toda vez que o filme se propõe a fazer rir. Em outras palavras, embora ‘Mais que Amigos’ sofra de uma ocasional falta de sutileza, não é difícil alcançar o perdão da audiência. É um passo na direção certa, tão necessário quanto um bom Museu de História LGBTQ+. Texto publicado originalmente na versão mexicana do Filmelier.

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Lalo Ortega

Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.

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