Netflix e publicidade: tudo o que sabemos até agora Netflix e publicidade: tudo o que sabemos até agora

Netflix e publicidade: tudo o que sabemos até agora

Depois de enfrentar dificuldades para continuar ampliando a base de assinantes, a gigante do streaming anunciou que terá uma versão mais barata com anúncios – e a gente te explica como deverá funcionar

29 de abril de 2022 12:33
- Atualizado em 2 de maio de 2022 14:32

Por anos, a Netflix se orgulhou de ser um serviço de vídeo sob demanda sem qualquer publicidade – tudo isso por uma mensalidade que deveria custar menos que um livro ou que um ingresso de cinema. Isso, em breve, vai mudar. Depois de aumentar o valor dos planos, ser pressionada por investidores para equilibrar as despesas e de ver mais cancelamentos do que novas assinaturas, a gigante do streaming anunciou na última semana que terá um plano mais barato, bancado por publicidade.

Tal novidade levantou uma série de dúvidas, inclusive entre os leitores do Filmelier. Para alguns, os anúncios serão como aqueles que já ocorrem no Amazon Prime Video. Para outros, não faz sentido pagar por um serviço que tem propaganda, mesmo que seja menos. Entre outros tantos, a novidade fará com que a Netflix se pareça cada vez mais com a velha TV paga.

Publicidade

Mas, será que é isso tudo? E como irá, efetivamente, funcionar a publicidade e esse plano mais em conta? Aqui, o Filmelier reúne as principais dúvidas e informações sobre o novo modelo de assinatura – que, vale lembrar, ainda demorará algum tempo para ser implementado e muito menos será obrigatório para todos.

Caso você queira pagar menos pela Netflix, a sua experiência na plataforma vai mudar (crédito: divulgação / Netflix)
Caso você queira pagar menos pela Netflix, a sua experiência na plataforma vai mudar (crédito: divulgação / Netflix)

Afinal, o que é a publicidade na Netflix?

Para começar, o modelo de assinatura que a Netflix anunciou que terá no futuro não é, exatamente, uma novidade entre os serviços de streaming.

Plataformas como Paramount+, HBO Max e Hulu já utilizam a modalidade nos EUA, com Disney+ preparando algo na mesma linha para em breve. Em todos esses casos, os serviços disponibilizam um valor de assinatura mais baixo para quem não se importar em ver publicidade. Para quem pode pagar há mensalidades mais caras, totalmente sem anúncios.

O Hulu – que é controlado também pela Disney – é o mais bem-sucedido nesse modelo. A plataforma cobra US$ 6,99 ao mês na versão com propagandas, enquanto a modalidade sem publicidade sai por US$ 12,99. No entanto, a plataforma tem uma receita média de US$ 12,96 por assinante.

Ou seja, ela praticamente “inteira” o valor de quem paga US$ 6,99 com o dinheiro da publicidade – e se beneficia de uma base maior de assinantes justamente por ter um preço de entrada menor. Hoje, o Hulu tem 45,3 milhões de membros pagantes – todos eles nos EUA.

É isso que faz brilhar os olhos do pessoal de Wall Street: a chance da Netflix voltar a ampliar a base de assinantes sem ter que abrir mão da receita para poder continuar investindo em filmes e séries exclusivos.

Como vai funcionar? Vai ser igual ao Prime Video?

Não, não vai ser igual ao Prime Video. O serviço de streaming da Amazon faz parte do pacote Prime, que tem apenas um valor de assinatura, de R$ 9,90 – claramente subsidiado para que você consuma o e-commerce do grupo. Não há publicidade de outras empresas bancando esse modelo de negócio.

“Mas e os anúncios que aparecem antes das séries e filmes?”, você deve estar se perguntando. Hoje, o serviço da Amazon traz comerciais sobre seus próprios conteúdos, algo parecido com o formato de “pre-roll”. É institucional, uma “chamada” da própria programação da plataforma. Até por isso, é possível pular esse vídeo e ir logo para o conteúdo principal.

O Apple TV+, da Apple, também começou a fazer algo bem parecido, aliás.

É provável que a Netflix adote um modelo próximo ao do Hulu. Nele, quem assina o plano básico é obrigado a assistir as propagandas.

Exemplo de publicidade no Hulu - repare nas marcações na linha do tempo do vídeo: elas representam onde estão os intervalos comerciais (crédito: reprodução / The One Club)
Exemplo de publicidade no Hulu – repare nas marcações na linha do tempo do vídeo: elas representam onde estão os intervalos comerciais (crédito: reprodução / The One Club)

Essa publicidade varia de acordo com o conteúdo. Em episódios de séries de catálogo (ou seja, mais antigas) com até 30 minutos, normalmente há apenas um anúncio de 15 segundos. Já em séries originais de uma hora, o número de intervalos comerciais pode chegar à cinco, todos variando entre 15 e 90 segundos. Em filmes de longa-metragem, a recorrência de breaks pode chegar em oito.

Ou seja, um formato mais próximo da TV aberta.

Ah, sim: não é possível pular essas propagandas. Não quer vê-las? Aí você tem a opção de pagar a mensalidade cheia, sem anúncios, que continuará disponível.

Intervalo na Netflix? É isso?

Sim. Ter publicidade implica em pequenos intervalos no meio do conteúdo – o que pode ser um desafio para a Netflix. Afinal, a plataforma foi pensada para ser sem propagandas.

Da ideia das maratonas às temporadas que funcionam como filmes de oito ou dez horas, a Netflix foi elaborada para te reter o máximo de tempo possível, sem quebras ou intervalos. Não é à toa que filmes começam sozinhos, sem o seu play, e que o episódio seguinte começa dez segundos após o anterior.

Agora, vão ter que colocar pausas no meio disso.

É diferente da TV aberta e da paga, no qual o conteúdo é pensado para ser semanal e para ter breaks. Isso influencia em questões mais profundas do conteúdo, moldando coisas estruturais como o próprio roteiro dos episódios.

Imagina: logo após da cena quente de '365 Dias' vem aquela propaganda da escola de inglês online... (crédito: divulgação / Netflix)
Imagina: logo após da cena quente de ‘365 Dias vem aquela propaganda da escola de inglês online… (crédito: divulgação / Netflix)

Por tudo isso, adicionar publicidade em algo que não foi pensado para tal fim pode ser ainda mais irritante para os assinantes da Netflix do que ocorre no próprio Hulu, por exemplo. Métricas importantes, de retenção na plataforma, serão impactadas.

Lembrando, novamente, que continuará sendo possível pagar o preço regular de assinatura para não ver nada disso.

Quanto vai custar?

A Netflix não divulgou o quanto pretende cobrar pela versão mais barata, mas é possível fazer uma estimativa a partir dos concorrentes que já possuem esse modelo de negócio.

Nesses casos, o plano com anúncios sai por volta de 50-55% do valor básico sem propaganda. No Brasil, seria algo entre R$ 12,99 (considerando os R$ 25,90 do plano básico) a R$ 19,90 (pensando nos R$ 39,90 do padrão).

Como você vê, não se trata do modelo de plataformas como Pluto TV, Vix e NetMovies – que trazem publicidade e não são totalmente grátis, sem cobrança nenhuma, no modelo chamado AVOD. O catálogo nesses casos, vale mencionar, costuma ser de conteúdo mais antigo e sem exclusividade.

Quem vai querer esse plano?

A ideia da Netflix é permitir o acesso à plataforma para quem não consegue pagar pelo valor cheio – em parte, por conta do bolso apertado com a concorrência de outros serviços, mas também por falta de renda ou pela atual crise inflacionária global.

A aposta é que esse público já estaria acostumado a ver propaganda no YouTube ou na TV tradicional, então não ligaria de fazer o mesmo da Netflix em troca de pagar um pouco menos. Dessa forma, a empresa voltaria ampliar a base de assinantes.

O plano com anúncios também serve para aquele grupo de pessoas que não usa tanto a Netflix, sendo um expectador eventual – então, consumindo menos, preferiria ver eventualmente com publicidade do que cancelar de vez. Será?

No discurso corporativo, a companhia americana justifica que irá dar aos consumidores o poder de escolher entre pagar mais caro e não ter publicidade ou desembolsar menos dinheiro em troca de ver propagandas.

Com tudo isso, tem grande chance da experiência com publicidade se tornar a preferida pela maioria da base de usuários do streaming.

Quando vão lançar o plano com anúncios?

Ao confirmar o novo modelo de negócio, Reed Hastings, fundador e co-CEO da empresa, disse que é um projeto para um ou dois anos.

A demora tem explicação: a Netflix não tem qualquer conhecimento sobre publicidade programática, aquela que permite direcionar exatamente para o perfil de público que o anunciante quer e a compra do espaço dos anúncios é feita em tempo real, por meio de leilões automáticos.

Reed Hastings, fundador e co-CEO da Netflix, nunca foi muito fã de publicidade - mas se viu obrigado a mudar de ideia (crédito: divulgação / Netflix)
Reed Hastings, fundador e co-CEO da Netflix, nunca foi muito fã de publicidade – mas se viu obrigado a mudar de ideia (crédito: divulgação / Netflix)

Ainda que estejam no ramo de tecnologia, o negócio da Netflix sempre foi a entrega do conteúdo, ser um publisher – o que fazem muito bem – depois migrando para a produção desse mesmo conteúdo. Agora, o desafio é outro: ser uma empresa de publicidade, que “vende” os seus espectadores para outras empresas, como faz uma TV Globo.

Para piorar, a companhia de Los Gatos não possui experiência nem com publicidade tradicional, algo completamente diferente de Warner Bros. Discovery (HBO Max), Paramount Global (Paramount+) e Disney (Hulu), que já faziam isso há décadas em seus canais de TV e possuem uma robusta relação com os anunciantes.

Há duas escolhas. O primeiro é desenvolver em casa toda uma estrutura tecnológica que permita a venda de publicidade, incluindo leilões entre os anunciantes, a identificação do público-alvo e a entrega desses anúncios. É um investimento feito, lá atrás, por gigantes como Facebook e Google.

Outro caminho – no qual muita gente aposta – seria a parceria com uma empresa de tecnologia que já desenvolveu essa tecnologia para intermediar o negócio com os anunciantes, com a Netflix continuando apenas como publisher dos vídeos (e dos anúncios). Diminuiria tempo de implementação, mas se veriam obrigados a dividir as receitas.

Por fim, a Netflix poderia adquirir alguma startup do Vale do Silício que já possua a tecnologia em casa. No entanto, com a perda de fôlego recente após ver uma grande queda em seu valor de mercado, tal jogada é, no momento, mais difícil.

Não são escolhas fáceis, mas é de se imaginar que Hastings e sua equipe já tenham um caminho para seguir.

Como fica a privacidade dos meus dados?

Curiosamente, a Netflix se vangloria de não ter muitos detalhes pessoais de seus assinantes. Tirando o nome do titular, endereço de cobrança e o número do cartão de crédito, a plataforma não sabe muito de você – nem o seu gênero eles perguntam.

Por outro lado, a plataforma sabe exatamente o que você assiste, quando assiste, como assiste, onde pausa, seus gêneros preferidos, os que você não gosta… Tudo para alimentar o famoso algoritmo que irá lhe dizer o que assistir depois – ou no que vale a pena investir o dinheiro da empresa.

Só que a Netflix é criticada por ser pouco transparente sobre esses dados de consumo, algo diferente da TV linear, por exemplo.

Os desafios tecnológicos e de privacidade devem estar sendo uma dor de cabeça para quem trabalha nesse prédio, a sede da Netflix em Los Gatos, Califórnia (crédito: divulgação / Netflix)
Os desafios tecnológicos e de privacidade devem estar sendo uma dor de cabeça para quem trabalha nesse prédio, a sede da Netflix em Los Gatos, Califórnia (crédito: divulgação / Netflix)

Agora eles vão viver uma encruzilhada. O mercado publicitário vai querer ter algum contato com esses dados para poder direcionar melhor a sua publicidade, aferir resultados e muito mais. Por um lado, a Netflix vai ter que saber coisas mais específicas de você. Por outro, os anunciantes vão querer ter algum contato com seus hábitos de consumo de conteúdo.

Claro, ninguém vai saber especificamente que eu, Renan, tenho 37 anos, sou homem e revi ‘Buffy, a Caça-Vampiros’ de cabo a rabo umas três vezes. Por outro lado, de forma anônima, entrarei em um grupo de pessoas que assiste à séries teens de ação dos anos 1990/2000.

O quanto a Netflix está disposta a ir nesse compartilhamento de dados será importantíssimo não só para o sucesso dos anúncios lá dentro, como também pode virar munição para o resto do mercado audiovisual. Ao mesmo tempo, preocupações sobre privacidade, como ocorrem no Facebook, vão se tornar uma dor de cabeça para quem trabalha lá e para seus assinantes.

Que tipo de anúncio verei na Netflix?

Nesse momento, o mercado publicitário está esfregando as mãos pela janela de oportunidade que é poder anunciar em uma plataforma tão gigante quanto a Netflix, com mais de 220 milhões de assinaturas – considerando as famílias com vários integrantes e os 100 milhões de lares que compartilham senhas de outras casas, estamos falando fácil de mais de meio bilhão de pessoas. Talvez já na casa do bilhão.

Considerando o que é feito atualmente, qualquer um poderá anunciar no serviço – que terá, de alguma forma, um serviço automatizado para aprovação dos anúncios.

No novo modelo, a Netflix corre o risco de ser inundada pelos mesmos anúncios que já irritam em outras plataformas, arruinando a experiência do serviço (crédito: montagem / Filmelier)
No novo modelo, a Netflix corre o risco de ser inundada pelos mesmos anúncios que já irritam em outras plataformas, arruinando a experiência do serviço (crédito: montagem / Filmelier)

Porém, na prática, deve ocorrer algo parecido com o que acontece na publicidade no YouTube ou na TV paga: anunciantes com grande verba, com foco no seu perfil de público, vão te impactar inúmeras vezes com os mesmos vídeos.

Fenômenos como o milhão de reais da Bettina e o “deu green” vão se repetir por lá. O que, mais uma vez, não é muito bom para a experiência que a Netflix sempre pregou…

Como vemos, será uma grande mudança para a Netflix – algo que irá impactar não só no nosso bolso, mas no formato do conteúdo e até (no longo prazo) na viabilidade do streaming enquanto negócio.

Por isso, essa talvez seja a maior mudança na Netflix desde que eles lançaram a primeira série original, ‘House of Cards’, ou até mesmo quando inauguraram o vídeo sob demanda.

Vai funcionar? O futuro dirá.

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