Nicolas Cage, o astro que criou seu próprio gênero nos cinemas
Ator não se contenta com projetos banais, entrando de cabeça em filmes tão ruins quanto inesperados
“Esse filme é tão… Nicolas Cage”. Não tem outra maneira, senão essa, de descrever o que o astro norte-americano faz nos cinemas. Ele não topa projetos óbvios ou que caem no lugar-comum. Geralmente, o astro mergulha em histórias pouco usuais, repletas de momentos inesperados, que não se encaixam necessariamente em um gênero. Ele topa tudo e já disse, mais de uma vez, que realmente acha todos os seus projetos bons e diferenciados.
Um bom exemplo desse cinema “cagiano” é ‘Ghostland: Terra Sem Lei’, lançamento da plataforma Adrenalina Pura desta semana. Com pinceladas do cinema oriental, o longa-metragem conta a história de um ladrão de bancos (Cage) que é retirado da cadeia para procurar a neta de um rico senhor de guerra. Correndo contra o relógio, ele terá cinco dias para achar a garota e conseguir sua redenção. É uma maluquice visual e narrativa.
E, até chegar ao ponto de ‘Ghostland: Terra Sem Lei’, Nicolas Cage passou por muita coisa. Teve uma infância difícil, passou pela pressão de ter familiares famosos e elogiados em Hollywood, enfrentou instabilidades pessoais, fez blockbusters, filmes independentes e teve alguns fracassos -- que, até hoje, Cage não gosta de admitir. No entanto, por mais que seja complexo, Nicolas Cage faz sentido quando olhamos para sua formação e seu passado.
Nicolas Kim Coppola
Cage nasceu como Nicolas Kim Coppola. Filho do professor universitário August Coppola e da coreógrafa Joy Vogelsang, com quatro irmãos, teve infância e adolescência difíceis. Afinal, os pais se separaram quando Cage tinha cinco anos, indo morar com August, mas não deixou de sofrer com as sucessivas crises de depressão da mãe, que tinha transtorno bipolar -- assim, passou muito tempo no hospital passando por tratamento de choque.
Aos 12 anos, se inspirou no tio: nada mais, nada menos do que Francis Ford Coppola. Na época, Francis já tinha dirigido filmes como ‘O Poderoso Chefão’, ‘A Conversação’ e ‘O Poderoso Chefão II’. Três anos depois, aos seus 15 anos, Cage mostrou que tinha o talento da família ao ganhar seu primeiro papel no filme para a televisão ‘’The Best of Times’. Já ‘Picardias Estudantis’, seu segundo papel, foi uma experiência traumatizante para Nicolas.
Afinal, a maioria de suas cenas foi cortada da versão final do longa-metragem. Neste momento, Nic toma duas decisões: primeiramente, vai trabalhar como vendedor de pipocas no Fairfax Theater, já que ele ele acreditava que esta era a única carreira que ele poderia seguir relacionada ao cinema; além disso, ao mesmo tempo, abandonou de vez o Coppola de seu nome e, inspirado no personagem de quadrinhos Luke Cage, virou Nicolas Cage.
Carreira meteórica
Apesar desse começo complicado, depois Cage emplacou como um ator queridinho do cinema independente com comédias românticas (‘Sonhos Rebeldes’), comédias dramáticas (‘Adeus à Inocência’, ‘Peggy Sue, seu Passado a Espera’), dramas de guerras (‘Asas da Liberdade’), cinebiografias (‘Fúria de Vencer’) e como coadjuvante dois grandes filmes criminal (‘Cotton Club’ e ‘O Selvagem da Motocicleta’, com Matt Dillon e Mickey Rourke).
Era uma pequena amostra dessa pequena complexidade de Nicolas Cage. E isso se consolidou de vez entre 1987 e 1990. Nesse curto período de tempo, o americano entrou no elenco de grandes filmes, comandados por grandes cineastas ou dividindo a cena com grandes estrelas. Em ‘Arizona Nunca Mais’, Joel e Ethan Coen o colocaram em situações absurdas, enquanto ele dividiu as cenas de ‘Feitiço da Lua’ com a superestrela Cher.
‘Coração Selvagem’, com Laura Dern e dirigido por David Lynch, trouxe enfim a estranheza à Cage, com a história desses dois amantes que precisam fugir de assassinos profissionais.
Aí veio a primeira instabilidade da carreira de Nicolas Cage, que viria a se tornar uma constante na vida do ator norte-americano. Até 1995, apenas filmes menores, como se Nic não tivesse feito tudo que fez entre 1987 e 1990. Foram produções como o estranho drama ‘Zandalee’, as questionáveis comédias ‘Lua de Mel a Três’ e ‘Não Chame a Polícia’, o thriller ‘Engano Mortal’, ‘O Beijo da Morte’ e, claro, o bizarro ‘O Guarda-Costas e a Primeira Dama’.
Só que, como dito, as coisas na vida e na carreira de Nicolas Cage não são previsíveis. Nesse momento em que tudo parece ir mal, o astro surpreende e ganha seu primeiro Oscar.
Nicolas Cage, enfim
Em 1995, ele divide a tela com Elisabeth Shue na história de Ben Sanderson, um roteirista de Hollywood que perdeu tudo por causa do alcoolismo. Sem rumo, ele vai para Las Vegas com o desejo de beber até a morte. Só que tudo muda quando conhece Sera, uma garota da rua. Com a cara dos anos 1990, ‘Despedida em Las Vegas’ se torna um sucesso absoluto. Levou quatro indicações ao Oscar e premiou Nicolas Cage como Melhor Ator.
Neste momento, parece que Nicolas Cage se torna de fato aquilo que conhecemos hoje: a montanha-russa rápida, veloz, inesperada. Um filme é excelente e o seguinte é uma bomba. Um filme é sucesso de crítica, outro é massacrado. O Oscar que levou em 1995 parece que libertou as amarras de Nic. Ao invés de ter fases de ouro ao longo de cinco ou seis anos, para depois emplacar só bombas, agora não há mais seleção de projetos. Tudo aqui vale.
Depois de ‘Despedida em Las Vegas’, Cage não pensou duas vezes antes de aceitar papéis em filmes como ‘A Rocha’, ‘A Outra Face’ e, claro, ‘Con Air’. Não são histórias ruins, longe disso -- não é à toa, afinal, que ainda são sucesso nas madrugadas da televisão aberta. Mas não é o caminho óbvio de quem acabou de levar um Oscar pra casa. E é assim desde então: depois de ‘Cidade dos Anjos’, faz ‘Olhos de Serpente’. ´=E indicado de novo ao Oscar por ‘Adaptação’, mas não pensa duas vezes antes de aceitar ‘A Lenda do Tesouro Perdido’.
No final dos anos 1990, Nicolas Cage também quase realizou um sonho de criança ao se tornar a principal escolha de Tim Burton para se tornar o Superman nos cinemas. Infelizmente, porém, o projeto não foi pra frente, restando apenas algumas boas imagens. Vale dizer, porém, que isso não arrefeceu a paixão de Nicolas Cage pela personagem. Seu filho, aliás, ganhou o nome original do herói dos quadrinhos da DC: Kal-El Coppola Cage.
E engana-se quem pensa que Cage faz isso apenas para ganhar dinheiro com produções ruins. “Uma percepção errada, tanto na crítica quanto em Hollywood, é de que eu só faço papéis exagerados. Ou o que eles chamariam de atuações exageradas. Isso é totalmente falso. Outro erro é que eu só faço esses filmes para pagar os cheques, ou que eu sou obcecado por histórias em quadrinhos. Outro grande erro, que precisa ser consertado na minha opinião, é sobre [a dúvida acerca da qualidade de] filmes lançados direto para o vídeo”, disse a The Guardian.
Nicolas Cage moderno
Hoje, Nicolas Cage se tornou amado (e odiado) justamente por conta dessa instabilidade na carreira. Alguns acham fascinante, outros um desperdício de um bom ator. Desde o começo dos anos 2010, Cage quase nunca mais embarcou em projetos de grandes cineastas, como fez desde os anos 1980. Entrou de cabeça nesse cinema independente cheio de altos e baixos. Parece que Nicolas Cage parou de vez lá embaixo, sem forças pra subir de novo.
Fez principalmente filmes policiais discutíveis (‘Fúria Sobre Rodas’), alguns épicos sem muito sentido (‘Caça às Bruxas’) e até filmes de terror e suspense (‘O Pacto’, ‘Reféns’).
Só que, mesmo com tantos erros, Nicolas Cage encontrou novamente seu respiro. Nada de grandes cineastas. Agora, ele faz alguns filmes independentes que, em um primeiro momento, parecem mais um fiasco. E, no final das contas, surpreendem com histórias densas, underground e até com um pé no gore. É o caso de ‘Joe’, ‘Mandy: Sede de Vingança’, ‘A Cor que Caiu do Espaço’ e, claro, ‘Pig’, um dos mais surpreendentes do ano.
Obviamente, não sabemos o que vem pela frente -- o próprio ‘Ghostland: Terra Sem Lei’ é a cara desses sucessos modernos de Nic Cage, mas se tornou um fiasco no Rotten Tomatoes. Muita coisa ruim deve ser feita, mas também há algumas boas surpresas. O filme 'Renfield', com Cage como Drácula, por exemplo, é uma das melhores coisas no caminho.
Mas é isso: nessa instabilidade, vamos nos apaixonando e sentindo toda a emoção da jornada.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
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