Como ‘No Ritmo do Coração’ se tornou favorito ao Oscar de Melhor Filme Como ‘No Ritmo do Coração’ se tornou favorito ao Oscar de Melhor Filme

Como ‘No Ritmo do Coração’ se tornou favorito ao Oscar de Melhor Filme

Na reta final da competição, filme da Apple varreu os principais prêmios e desbancou ‘Ataque dos Cães’

Matheus Mans   |  
22 de março de 2022 15:51
- Atualizado em 24 de março de 2022 11:19

Quando a temporada de premiações de 2022 começou a ganhar forma, com os indicados nos principais prêmios sendo revelados, criou-se logo uma sensação de que ‘Ataque dos Cães’ seria o grande vencedor. Afinal, além de ser elogiado por crítica e público, o faroeste conta com a premiada Jane Campion (‘O Piano’) na direção. Mas, na reta final, o filme da Netflix perde força para um concorrente inusitado: o doce ‘No Ritmo do Coração’. 

Dirigido pela pouco conhecida Sian Heder (‘Little America’), o longa-metragem é daqueles “oscarizáveis” improváveis. Além de ser remake do filme francês ‘A Família Bélier’, o filme tem um tom leve, que se aproxima da comédia em muitos momentos, para falar sobre a jornada de uma garota (Emilia Jones) que tem pais e irmão surdos. Na luta do dia a dia, surgem os dilemas, as dores, os medos e os preconceitos de terceiros.

Emilia Jones é a grande estrela de ‘No Ritmo do Coração’, filme que arrancou na corrida ao Oscar (Crédito: Divulgação/Diamond)

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Com três indicações ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado), o filme estava bem cotado apenas para a categoria de atuação com o excepcional Troy Kotsur. No entanto, ganhou fôlego redobrado na reta final ao vencer o Sindicato de Atores (SAG), de Produtores (PGA) e de Roteiristas (WGA). É a “santa trindade” da temporada de premiações, com seus prêmios geralmente coincidindo. 

É só dar uma olhada nos últimos dez anos. Desde 2012, o PGA, o melhor termômetro para Melhor Filme, acertou oito vezes – só errou com ‘1917’, no Oscar de ‘Parasita’ e com ‘A Grande Aposta’, na imprevisível premiação de ‘Spotlight’. Dar o troféu para ‘No Ritmo do Coração’ neste momento é mostrar que o filme da Apple não só está vivo na competição pelo “careca dourado”, como também reafirma que ele é o favorito da temporada.

De Sundance até o Oscar

Essa movimentação, porém, não aconteceu do nada. Afinal, ‘No Ritmo do Coração’ não é exatamente um azarão. No comecinho de 2021, o longa-metragem foi consagrado como o grande vencedor de Sundance e saiu de lá como uma coroa: naquele momento, o filme foi vendido por US$ 25 milhões à Apple, no valor mais alto já negociado no festival até então.

Ao desembolsar esse valor, a Apple mostrou que o filme era uma aposta grande para a empresa, iniciante no universo do streaming com Apple TV+. Com direitos globais, com exceção do Brasil (onde o filme está disponível no Amazon Prime Video), México, Argentina e Espanha, a empresa fez um marketing tímido, mas eficaz, convencendo as pessoas de que o filme era leve e sensível – algo que, no pós-pandemia, chamou a atenção. Funcionou a ponto de conquistar as três indicações, incluindo a da categoria principal.

E o que está acontecendo agora para o filme ganhar tamanho protagonismo? Oras, bem simples: as pessoas estão assistindo. Quando foi lançado na plataforma da Apple, ‘No Ritmo do Coração’ teve um marketing apenas para levar o longa para um circuito reduzido. Depois, quando já estava indicado, a divulgação do título ganhou mais força. Os votantes estão assistindo ao filme, incentivados por propagandas e pela exposição natural do Oscar. E, o mais importante, estão gostando do que veem. 

Além disso, há algo que podemos chamar de “fator Sam Elliot”. O ator americano, recentemente, deu uma declaração muito infeliz ao dizer que ‘Ataque dos Cães’ é um “pedaço de merda” e que o filme “eviscera o mito americano” ao mostrar cowboys que mais parecem dançarinos andando sem camisa pelo cenário. Também detonou Jane Campion, a diretora neozelandesa do longa, questionando o que ela sabe do Oeste americano. 

Pode parecer algo individual, apenas a opinião de alguém que ficou parado no tempo. Mas, lembre-se: apesar de avanços recentes, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood é formada principalmente por homens brancos, principalmente vindos dos Estados Unidos. Apesar do prêmio fora da curva com ‘Parasita’, foi essa mesma Academia que premiou o controverso ‘Green Book’ e tirou o prêmio de ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ – outro filme de sexualidade no Oeste.

Por fim, e não menos importante, o sistema de votação na categoria de Melhor Filme é diferente. Nele, os integrantes da Academia colocam os dez indicados na sua ordem de preferência. Por isso não é escolhido necessariamente o mais votado em primeiro lugar, mas sim o de maior consenso.

Nisso, um longa-metragem que é muito escolhido como o segundo ou terceiro melhor do ano pode superar um com mais votos em primeiro lugar, mas que também ficou entre os piores na escolha de muitos eleitores.

Por esse motivo, é mais fácil ‘Ataque dos Cães’ se perder nos extremos de “melhor” ou “pior” dos indicados, enquanto que o “fofo” ‘No Ritmo de Coração’ seja posicionado entre os três primeiros pela maioria – inclusive por aqueles que preferiram o longa de Jane Campion.

‘No Ritmo do Coração’ contra a Netflix

No entanto, talvez não seja apenas o marketing acirrado da Apple ou o “fator Sam Elliot” que está bagunçando essa competição, mas sim quem está por trás da distribuição de ‘Ataque dos Cães’: a Netflix. Depois das esnobadas de ‘Roma’ e ‘O Irlandês’, parecia que não haveria saída em 2022. Tudo indicava que a Netflix enfim iria quebrar a maldição de ser preterida e, vencendo o preconceito contra o streaming, ser laureada com o Oscar.

Ataque dos Cães pode também ser vítima do ranço da Academia com a Netflix (crédito: divulgação/Netflix)
‘Ataque dos Cães’ pode também ser vítima do ranço da Academia com a Netflix (crédito: divulgação/Netflix)

Só que, como estamos vendo agora, parece que parte dos votantes da Academia ainda não está pronta para esse salto. Ainda que ‘No Ritmo do Coração’ também tenha sido lançado no streaming, o filme nasceu em um festival tradicional e só depois foi comprada pela gigante da tecnologia – que, vale dizer, é mais lembrada por seu iPhone do que por seu streaming.

Enquanto isso, ‘Ataque dos Cães’ é um projeto que também rodou festivais (inclusive sendo premiado em Veneza), mas tem seu embrião na Netflix. A marca, além disso, continua sendo uma ameaça para uma parte considerável dos votantes, todos profissionais do cinema, que vê o streaming como a morte da sétima arte como conhecemos hoje. Mesmo com esforços, a empresa parece continuar com os mesmos estigmas. 

Não dá para dizermos se é justo ‘No Ritmo do Coração’ levar esse Oscar ou não – são extremamente injustas, aliás, as comparações com ‘Green Book’. O fato é que se o longa da Apple levar, a Academia mostrará que talvez não tenha evoluído tanto quanto pensávamos, mantendo os mesmos medos de premiar filmes com temática LGBTQIA+ ou que nasceram no streaming. E, assim, esperamos mais um ano para esperar alguma mudança.

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