‘Oppenheimer’: verdades e mentiras do filme de Christopher Nolan ‘Oppenheimer’: verdades e mentiras do filme de Christopher Nolan

‘Oppenheimer’: verdades e mentiras do filme de Christopher Nolan

Saiba o que é fato e o que é invenção na cinebiografia sobre o físico J. Robert Oppenheimer

Matheus Mans   |  
20 de julho de 2023 10:19

Sempre que uma cinebiografia chega aos cinemas, sempre fica aquela pergunta: será que foi assim mesmo? Ou será que exageraram? Aconteceu isso com Elvis, com Blonde e, agora, com Oppenheimer, novo longa-metragem do cineasta Christopher Nolan (A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas) que estrou nos cinemas na quinta, 20 de julho.

Assim, trazemos aqui uma checagem de fatos sobre os principais assuntos abordados em Oppenheimer a partir de um dos documentos mais precisos sobre a história do físico: o livro Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, vencedor do Pulitzer e escrito a quatro mãos por Kai Bird e Martin J. Sherwin. Confira abaixo, com spoilers:

Oppenheimer foi um jovem emocionalmente instável

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No livro de Bird e Sherwin, há um elemento na biografia de Oppenheimer que é deixado de lado, mas que é de suma importante até mesmo para entender ações futuras do físico norte-americano: ele teve um começo de vida adulta absolutamente instável. Em Cambridge, ele teve uma espécie de colapso emocional, unindo a pressão por seu desempenho acadêmico com a inabilidade, naquele tempo, que o norte-americano tinha de conquistar mulheres.

O jovem J. Robert Oppenheimer, em seus tempos de Cambridge (HARVARD UNIVERSITY ARCHIVES)

Em determinado momento de sua passagem por Cambridge, de férias, Oppenheimer chegou a cogitar o suicídio. “Durante os feriados de Natal, Robert se viu caminhando ao longo da costa bretã, perto da aldeia de Cancale, para onde seus pais o haviam levado. Era um dia de inverno chuvoso, ‘sombrio’, e anos depois Oppenheimer afirmou ter tido uma vívida percepção: ‘estiver a ponto de me matar. Aquilo era crônico'”, assinala a biografia (página 61).

Oppenheimer realmente tentou matar um professor com uma maçã envenenada?

O único ponto tratado pelo filme de Nolan nesse período obscuro de Oppenheimer foi o episódio em que ele envenena uma maçã do supervisor em Cambridge, Patrick Maynard Stuart Blackett. No longa-metragem, ele realmente insere nitrato de potássio na fruta e, depois, ainda vive um momento de desespero quando Niels Bohr quase a come.

É uma passagem nitidamente exagerada, porém. No livro, os autores deixam claro que esse episódio foi absolutamente obscuro na biografia de Oppenheimer e pouco se sabe o que aconteceu — e não há qualquer registro de que Bohr tenha quase comido a maçã. É simplesmente uma sacada de roteiro para criar tensão. “Se o suposto veneno fosse potencialmente letal, o que Robert havia feito equivalia a tentativa de assassinato. […] O mais provável é que ele tivesse introduzido na maçã algo que deixaria Blackett apenas enjoado”, ressaltam os autores da biografia.

Oppenheimer era um homem que gostava de estudar sobre assuntos místicos

O filme de Christopher Nolan até traz alguns elementos disso, como a leitura de um texto em sânscrito durante um ato sexual entre Oppenheimer e Jean Tatlock, mas é pouquíssimo aprofundado. O fato é que Oppenheimer, que vem de uma família judia, acabou encontrando conforto no esoterismo, misticismo e em filosofia e religiões de base oriental.

Foi aí, afinal, que ele acabou encontrando seu equilíbrio interno e deixou esse passado instável para trás. Seu principal interesse era no Mahabharata, um dos dois maiores épicos clássicos da Índia. “Com 20 e tantos anos, Oppenheimer já parecia buscar um desprendimento terreno; ele desejava, em outras palavras, estar engajado como cientista no mundo físico e, ainda assim, desprendido dele. Não buscava fugir para um reino puramente espiritual. Não buscava uma religião. O que buscava era paz de espírito”, ressaltam os autores do livro nas páginas 113 e 114 da biografia.

Jean Tatlock foi assassinada?

A biografia traz um capítulo inteiro para discutir a morte de Jean Tatlock, psiquiatra que foi namorada e, depois, amante de Oppenheimer. Tudo indica que ela se matou em 1944, quando foi encontrada pelo pai morta com a cabeça dentro de uma banheira e as almofadas dispostas no chão. No entanto, há dúvidas — e isso é pouco abordado no filme, que apenas insere um único frame de uma mão empurrando a cabeça de Jean para dentro da banheira.

Uma das poucas imagens de Tatlock (Wikimedia Commons)

“O relatório da autópsia não contém nenhuma evidência de que barbitúricos tenham chegado ao fígado ou a outros órgãos vitais. Tampouco indica se ela havia tomado uma dose suficientemente grande para causar a morte. Ao contrário, como já observado, a autópsia determinou que a causa da morte foi asfixia por afogamento”, indica o livro na página 277. A partir disso, a biografia indica dois caminhos: o suicídio pode ter acontecido pela profunda angústia de Tatlock, que se descobriu lésbica; enquanto o assassinato poderia ser para evitar vazamento de informações de Oppenheimer para ela. Afinal, Tatlock ainda era uma ativista da esquerda e com comunicações com comunistas.

O caso Chevalier foi realmente muito importante na vida de Oppenheimer

No filme, o ponto de virado no tratamento do governo norte-americano com as informações obtidas por J. Robert Oppenheimer foi quando ele resolveu avisar os militares que o cientista George Eltenton estava tentando obter informações sobre o programa nuclear norte-americano para repassar aos comunistas. E apesar de parecer uma cena conspiratória, em que Haakon Chevalier “joga um verde” para tentar a colaboração de Oppie, tudo ali é verdade.

O acontecimento (quando Chevalier provoca Oppenheimer falando sobre Eltenton) é verdadeiro e foi um marco na vida do físico. “A vida de um homem pode se transformar com um pequeno acontecimento, e com Robert Oppenheimer esse incidente aconteceu no inverno de 1942-1943, na cozinha da casa dele em Eagle Hill”, sublinha o livro, na página 204. “O que foi dito, e a maneira como Oppie resolveu lidar com a questão, moldaram de tal forma o restante da vida dele que nos sentimos tentados a fazer comparações com as tragédias gregas e com Shakespeare”.

Kitty Oppenheimer teve seu comportamento amenizado no filme

Curioso notar que o roteiro de Nolan resolveu amaciar um pouco o comportamento de Kitty Oppenheimer, esposa do físico. Primeiramente, em relação aos filhos: Kitty, além dos problemas com bebida (que são mostrados em duas cenas do longa-metragem), claramente teve depressão pós-parto e não soube lidar com os filhos. O primeiro deles, Peter, foi realmente enviado à outra família por um tempo. “[Kitty] estava à beira de um colapso emocional”, diz o livro (p. 287).

Kitty Oppenheimer em sua época de Los Alamos (ATOMIC HERITAGE FOUNDATION)

Pior: no período em que Kitty foi embora de Los Alamos e Peter foi entregue para amigos, Robert chegou a fazer uma proposta absurda. Perguntou aos que estavam cuidando de Peter se não queriam adotá-lo, piorando a situação.

Outro ponto suavizado por Nolan foi a personalidade de Kitty. Ela era explosiva, teimosa e tinha poucos amigos — na verdade, até mesmo pessoas da família não gostavam da esposa de Robert. A esposa do irmão de Oppie, Jackie, deixava isso claro. “[Ela] sempre achou que ela era uma ‘sacana’ e se ressentia da maneira como, na opinião dela, havia separado Robert dos amigos”, assinala o livro, na página 173. Chegou a chamar Kitty de manipuladora e falsa.

Los Alamos realmente era uma cidade para os criadores da bomba atômica?

Sim. Para abrigar os cientistas e suas famílias, além de ser um atrativo para os grandes nomes da academia, o governo norte-americano construiu uma verdadeira cidade em Los Alamos, com bar, igreja e até barbeiro. No entanto, como ressalta o filme, as condições iniciais eram precárias: quase tudo era de madeira, com pouca infraestrutura, e parecia de verdade uma cidade de faroeste. Aos poucos, porém, o Laboratório de Los Alamos foi ampliado e fortalecido.

A cidade-laboratório existe ainda hoje, mas mais moderno e seguro: é um laboratório federal pertencente ao Departamento de Energia dos EUA, gerido pela Universidade da Califórnia e com mais de 10 mil colaboradores.

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