Filmes

‘Pajeú’ e o mergulho no esquecimento e no medo do entorno

O entorno do espaço urbano é um tema caro ao cineasta Pedro Diógenes. Falou sobre pertencimento em ‘Inferninho’, viagens transcendentais em ‘Estrada para Ythaca’, sobre as relações em ‘No Lugar Errado’. Agora, ele se aprofunda ainda mais nas dores urbanas do espaço com ‘Pajeú’, longa-metragem que chegou aos cinemas na última quinta, 31.

A história começa com Maristela (Fátima Muniz) de olho em uma criatura que surge no Pajeú, riacho de Fortaleza. A partir disso, o cineasta une terror, drama e documentário para não só falar dessa relação de Maristela com o Pajeú, mas principalmente como o riacho ficou totalmente esquecido e escondido conforme a cidade crescia e se impunha.

Entorno da personagem Maristela é ponto importante de reflexão em ‘Pajeú’ (Crédito: Divulgação/Embaúba)

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Assim, Diógenes volta aos mitos das entidades que vivem nos rios para mostrar como esse elemento natural está doente, como a cidade o abandonou e, claro, como ele ainda tenta resgatar as suas forças. É mais um elemento da filmografia do diretor que aponta o olhar do público para o espaço ostensivo e até agressivo no nosso entorno.

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“A primeira vontade é falar de Fortaleza, algo que é recorrente em todo o meu trabalho”, conta Pedro Diógenes ao Filmelier. “O que me move, na maioria dos meus filmes, é falar de Fortaleza. E tenho uma relação muito complexa: ao mesmo tempo que amo essa cidade, também odeio. Ela tá sempre me surpreendendo. E tem o lance da especulação imobiliária, que é algo muito latente, muito explícito, e isso vem acompanhado do esquecimento, do aterramento”.

‘Pajeú’, entre sentidos e gêneros

Para contar essa história, que mistura tantas emoções do próprio Diógenes, o cineasta não apostou em uma narrativa simples que siga o normal, o óbvio, o banal. Em ‘Pajeú’, logo após o encontro de Maristela e a criatura, o filme quebra o ritmo e, de maneira inteligente, abraça o documentário. Ela vai entender quem é a criatura, quem é Pajeú. A narrativa serve à Maristela, mas também ao espectador. Nessa via de mão dupla, com o didatismo de lado, há um bom material. No meio disso, afinal, continua o horror daquela criatura observando tudo e todos. Há, também, o drama. Não só do rio, que sofre e é esquecido, mas dessa personagem que, assim como Diógenes, também tenta lidar com o entorno.
“São coisas que surgiram durante o processo. Primeiramente, o filme era um documentário, mais tradicional, mas surgiu a vontade de deixar ele mais humano e de poder sentir, junto de alguém, como é receber essas informações do Pajeú. Surgiu a necessidade de ter esse personagem para guiar o documentário”, explica o diretor ao Filmelier. “Também já vinha do sentimento que esse desaparecimento do riacho, que é algo meio que fantasmagórico, além do fato de que o Pajeú, quando chovia, alagava a cidade. Era uma coisa meio que de zumbi, a mão que surge da terra”. Além disso, outro ponto de destaque: Diógenes brinca com os sentidos. Maristela tem essa fixação visual com o monstro do riacho, enquanto moradores que não o enxergam se incomodam com o odor que emana do Pajeú. “Nessas transformações do documentário pro híbrido, uma das vontades era não ficar apenas com as informações e os dados frios das coisas. Queria entender como isso chega nas pessoas, como isso contamina nosso cotidiano”, explica.

Esquecimento

Apesar de todos esses pontos interessantes de ‘Pajeú’, poucos chamam tanto a atenção quanto o projeto de esquecimento que atinge em cheio as pessoas ao redor do riacho — e que parece ir para além do Ceará. Já perto do final do filme, Diógenes mostra essa preocupação com o esquecimento quando pergunta às pessoas como elas se relacionam com esse sentimento. Há medo de serem esquecidas, deixadas de lado, perdidas na memória da vida? O Pajeú, afinal, se perdeu nesse processo, nessas memórias, nesses esquecimentos. O que faz ser tudo bem um riacho ser esquecido? O que há de diferente com o nosso esquecimento, com nossos medos, com as nossas ações? Pedro Diógenes responde sobre seu medo de ser esquecido e como ‘Pajeú’, além de ser uma manifesto para a lembrança do riacho, também é uma forma do cineasta se lançar ao infinito. “Talvez eu faça cinema como uma forma de tentar não ser esquecido. Eu tenho mais medo dos filmes serem esquecidos do que eu”, diz o diretor. “E eu acho que um dos meus pensamentos de fazer esses filmes que eu faço, que não fazem milhões e milhões de espectadores, pelo menos eles vão poder ficar vivos para sempre. Quer dizer, pelo menos eu torço para isso. Em 10, 30, 50 anos”.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

Escrito por
Matheus Mans

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