Filmes

Crítica de ‘Wish’: uma celebração morna dos 100 anos da Disney

Com altos e baixos, críticas, legiões de fãs e detratores em partes iguais, um fato é inegável: a história da animação como arte não pode ser compreendida sem a Disney, um estúdio que se construiu sobre histórias de fantasia que convidaram gerações de espectadores a sonhar. Wish: O Poder dos Desejos – nos cinemas brasileiros em 4 de janeiro – é o filme concebido para celebrar o centenário desse legado.

Mesmo que a Disney não o tenha promovido como tal, a intenção é evidente desde o título (que faz referência a When You Wish Upon a Star, o tema musical icônico da casa do Mickey Mouse). Sua trama consolida o tema ao longo de um século de histórias sobre o valor de sonhar e realizar nossos desejos.

Todo o assunto deveria, portanto, sentir-se como um grande evento. No entanto, e apesar de haver momentos de inspiração genuína em Wish, o resultado final olha fixamente para o passado, mal mergulhando timidamente no futuro. Não aspira a mais do que uma complacência nostálgica, produto da mediocridade criativa que, de maneira geral, aflige a The Walt Disney Company há pelo menos uma década.

Wish: um festim de participações especiais e clichês

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O filme dirigido por Chris Buck (Frozen) e Fawn Veerasunthorn (estreando como diretora) começa como muitos outros do estúdio: por meio de um livro de contos que enquadra a história, aprendemos sobre um reino fantástico (chamado Rosas), onde tudo é belo e idílico. Aqui, há um rei, Magnífico (voz de Chris Pine em inglês), que tem o poder de realizar os desejos de seus súditos com sua magia. Então conhecemos nossa protagonista, Asha (voz de Ariana DeBose em inglês, Amor, Sublime Amor). A jovem aspira a se tornar aprendiz do rei e sonha com o dia em que ele finalmente realizará o desejo de seu avô, que já celebra 100 anos. No entanto, durante sua entrevista com o rei, Asha descobre que ele apenas coleta os desejos das pessoas, sem a intenção de realizar aqueles que possam ser perigosos para a estabilidade do reino. Assim, Magnífico mantém o povo dócil.
O Magnífico Rei atende aos desejos de seus súditos, mas seus motivos não são inocentes (Crédito: Disney)
Asha é rejeitada como aprendiz. Desiludida, foge para a floresta e faz um desejo a uma estrela. Para sua surpresa, a estrela desce do céu para acompanhá-la em sua nova missão: liberar os desejos do castelo e devolvê-los ao povo de Rosas. A partir de sua premissa, Wish percorre todos os elementos esperados de um filme animado da Disney. Há números musicais com animaizinhos da floresta, o animal de estimação fofo obrigatório (dois neste caso), uma história idealizada (aqui sobre o poder dos desejos) e o conflito contra um vilão com poderes mágicos, onde os heróis passam por um momento de escuridão antes de emergirem vitoriosos. O filme também está repleto de piscadelas e referências a outras produções clássicas do estúdio, e até mesmo tira inspiração descarada delas. Não é necessário mencionar todas, mas basta mencionar a mais evidente: os amigos da heroína são todos, alguns mais do que outros, baseados nos sete anões de Branca de Neve (o primeiro longa-metragem animado da Disney). É claro que Wish opta por repetir as fórmulas já conhecidas – e desgastadas – para celebrar o legado que o originou. A paradoxo é que isso resulta um tanto decepcionante e até triste, se considerarmos que, na maior parte de sua história, a Disney se destacou pela criatividade e inovação para levar a animação um passo à frente. Mais paradoxal ainda se pensarmos na moral desta história, na qual o rei todo-poderoso é derrubado para que os súditos possam realizar seus desejos por si mesmos (spoiler, mas sério, não há outro desfecho possível em um filme da Disney). Para ser um filme sobre arriscar sonhar, Wish arrisca muito pouco.
O novo estilo de animação de Wish funciona em certos casos, mas suga a vida dos ambientes em outros (Crédito: Disney)
A única instância em que o faz é com seu novo estilo de animação, mas mesmo esse aspecto permanece ancorado no passado. Aqui, o estúdio mistura a animação por computador de seus filmes mais recentes com a animação tradicional e textura de aquarela de seus clássicos. O resultado nos presenteia com alguns momentos genuinamente belos (um dos números musicais do último ato merece menção), mas são esporádicos. A maior parte do tempo, não faz muitos favores: alguns ambientes acabam se sentindo planos e até sem vida. E isso, em um ano que nos deu as inovadoras animações híbridas de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso ou Tartarugas Ninja: Caos Mutante, enquanto os mestres japoneses optam pela beleza comprovada do clássico; deixa a Disney desconfortavelmente presa no meio. É uma pena, pois Wish parece ser uma oportunidade desperdiçada para celebrar o verdadeiro espírito criativo que distinguiu a Disney por tantos anos. Mas isso, exceto por algumas instâncias isoladas de inspiração autêntica, parece mais um produto para reafirmar a identidade corporativa do rato, e não muito mais do que isso.

Wish: O Poder dos Desejos chega aos cinemas brasileiros em 4 de janeiro.

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Lalo Ortega

Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.

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Lalo Ortega

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