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Com ‘Sem Tempo para Morrer’, cinema faz as pazes com 007 injustiçado

A vida, quase sempre, não é justa. No mundo do entretenimento, com seus egos, muito dinheiro e opiniões pré-definidas, é ainda pior. No entanto, se tem alguém que merece um capítulo especial entre as injustiças do cinema, esse é o ator australiano George Lazenby – o James Bond esquecido pela história.

História essa que, finalmente, alcança o seu desfecho em ‘007: Sem Tempo para Morrer’, lançado nesta semana nos cinemas brasileiros.

George Lazenby, com o seu queixo furado, é até hoje o James Bond menos lembrado (Crédito: divulgação / UA / MGM)

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A trajetória de Lazenby começa de forma curiosa, até. Diz a lenda que o produtor Albert R. Broccoli, fundador da EON Productions (a responsável pela franquia 007), viu o ator pela primeira vez no barbeiro, quando foi cortar o cabelo. O ano era 1968 e Sean Connery já tinha deixado o papel que havia consagrado. Ao descobrir que George, que era modelo, tinha atuado em um comercial de chocolates e em um outro de cigarros, resolveu convidá-lo para um teste.

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Nesse teste, Lazenby sem querer socou no rosto um lutador profissional que coordenava os dublês. Foi o suficiente para convencer Broccoli que o papel era dele. ‘007 a Serviço Secreto de Sua Majestade‘ foi lançado nos cinemas em 1969, já com George Lazenby como protagonista. A produção foi uma grande guinada para o personagem, com uma história interessante de Bond enfrentando o seu maior inimigo, Blofeld, e se apaixonando perdidamente pela condessa Teresa di Vicenzo (vivida por Diana Rigg, a Emma Peel da série ‘Os Vingadores’). Uma paixão tão fulminante que Bond e Teresa se casam no final do longa – para a amada ser morta por Blofeld pouco depois, no caminho para a lua-de-mel. Parece um filme incrível, não é mesmo? George Lazenby odiou. Com pouca experiência em atuação, não teve qualquer respaldo nesse sentido – o que, infelizmente, transparece em cena, ainda que o seu trabalho esteja longe de ser ruim. A relação do ator com Albert Broccoli e o outro produtor, Harry Saltzman, também se deteriorou durante as filmagens tumultuadas. A situação ficou tão insustentável que Lazenby não quis um contrato para novos filmes (que, na visão dele, pagavam pouco), informou antes do final das filmagens que nunca mais voltaria ao papel e apareceu na première ostentando uma barba – para logo se desfazer do personagem.
Condessa Teresa di Vicenzo (Diana Rigg) e James Bond (George Lazenby): o primeiro grande caso de amor na franquia 007 (Crédito: divulgação / UA / MGM)
O público também não gostou – muito, vamos ser sinceros, por não conseguir aceitar um outro ator como James Bond que não fosse Sean Connery. A crítica da época execrou o ator de forma injusta e exagerada. Isso tudo, somado, foi o suficiente para jogar ‘007 a Serviço Secreto de Sua Majestade’ nos porões da história. Connery voltaria para uma última participação na série oficial do personagem, em ‘007: Os Diamantes São Eternos‘, assim como Blofeld e futuras referências à condessa. Mas esta história em si ficaria escondida, debaixo do tapete.

O tempo cura todas as feridas

Harry Saltzman deixou a franquia 007 em meados dos anos 1970, morrendo em 1994. Já Albert R. Broccoli continuou até o começo dos anos 1990, falecendo em 1996. Enquanto isso, os filmes antigos de James Bond se tornaram figurinhas repetidas na TV paga, em VHS, DVD, Blu-ray, streaming… Não demorou para que ‘007 a Serviço Secreto de Sua Majestade’ fosse resgatado pelas novas gerações – já acostumadas com a troca de atores e, principalmente, sem uma ligação afetiva tão forte com a versão de Connery. Com esse novo olhar, redescobriram a passagem de Lazenby, finalmente enxergando as suas qualidades. Com ótimas sequências de ação, uma bela fotografia, muito cinismo e características de “Cinema com C maiúsculo”, o filme se tornou um sucesso cult entre os fãs e referência para cineastas como Christopher Nolan e Steven Soderbergh. Porém, nada parecia tocar o coração de Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, os filhos de Albert R. Broccoli e atuais líderes da EON. Nas comemorações dos 40 e dos 50 anos da cinessérie, respectivamente em ‘007: Um Novo Dia para Morrer‘ e ‘007 Operação Skyfall‘, não houve qualquer homenagem a Lazenby. Agora, se a EON Productions ignorava a sua ex-estrela, Lazenby ganhou um documentário para chamar de seu – ‘Becoming Bond’, onde conta como ele caiu de paraquedas no papel icônico. Ao menos isso.

O resgate do 007 esquecido

Parecia, então, causa perdida. É aí que chegamos em ‘007: Sem Tempo para Morrer’, a despedida de Daniel Craig do personagem. Além do tributo ao Bond atual, finalmente a série pode fazer as pazes com George Lazenby. São diversos os momentos em que o novo filme traz referências à ‘007 a Serviço Secreto de Sua Majestade’ – o primeiro deles logo na cena de abertura, com a trilha sonora composta por Hans Zimmer claramente inspirada nos acordes de ‘We Have All the Time in the World’, canção de Louis Armstrong escrita pelo icônico compositor John Barry para o filme de 1969. “Nós temos todo o tempo do mundo”, diz um apaixonado Bond para a amada Madeleine (Léa Seydoux).
Na despedida de Daniel Craig, a EON Productions finalmente honra o legado de George Lazenby George Lazenby (Crédito: divulgação / UA / MGM)
Em outro momento do longa atual, Zimmer faz referência ao tema musical principal de ‘007 a Serviço Secreto de Sua Majestade’, também composto por Barry – o melhor da série, misturando guitarra com metais e sem qualquer vocal. Mas é mais do que algumas notas e uma frase. Assim como o Bond de Lazenby, o único a se casar, a encarnação de Daniel Craig também ama – e muito. De certa forma, é como se o cinema atual finalmente soubesse resgatar e reverenciar aquele 007 que tinha tentado esquecer. Quando ‘007: Sem Tempo para Morrer’ termina e sobem os créditos, ouvimos ‘We Have All the Time in the World’ em toda a sua beleza e na voz de Louis Armstrong. Além da despedida de Craig, é também – ainda que com muita demora – a despedida que Lazenby, hoje com 82 anos, merece. Afinal, “temos todo o tempo do mundo. Tempo suficiente para que a vida se revele.”

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Renan Martins Frade

Jornalista especializado em cinema, TV, streaming e entretenimento. Foi por 11 anos editor do Judão e escreveu para veículos como UOL, Superinteressante e Mundo dos Super-Heróis. Também trabalhou com a comunicação corporativa da Netflix. Foi editor-chefe do Filmelier.

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