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‘A Mulher na Janela’ é reflexo de livro e bastidores desafiadores

Depois de uma história de bastidores que renderia um outro filme, ‘A Mulher na Janela’ finalmente chegou ao catálogo da Netflix na última sexta-feira, 14. No entanto, o resultado parece não ter agradado público e crítica. No Rotten Tomatoes, o filme protagonizado por Amy Adams amarga 29% de aprovação. No site IMDb, a nota não sai da casa dos 5,8.

É um resultado muito pequeno para um filme que parece tão impressionante em sua casca. Afinal, na direção, está Joe Wright, de ‘Orgulho e Preconceito’ e ‘Desejo e Reparação’. No elenco, um trio desejado por qualquer grande produtor de Hollywood: Amy Adams (‘A Dúvida’), Gary Oldman (‘Drácula de Bram Stoker’) e Julianne Moore (‘Magnólia’).

Amy Adams é a protagonista de ‘A Mulher na Janela’, novo filme da Netflix (Crédito: Divulgação/Netflix)
A história também é interessante. Com ecos de ‘A Garota no Trem’, o longa-metragem conta a história de uma psicóloga (Adams) que sofre de agorafobia. É o medo de sair de casa, puro e simples. Tentando lidar com essa questão e com a distância da filha e marido, essa mulher acaba presenciando o assassinato da vizinha (Moore). Mas ninguém acredita nela.

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É a adaptação do livro homônimo, publicado no Brasil pela Editora Arqueiro e escrito por A. J. Finn. É um best-seller internacional, primeiro da lista do New York Times e que surfa no sucesso do thriller doméstico de ‘Garota Exemplar’. O que causou, então, um resultado tão polêmico? O que fez com que parte do público e críticos não vissem qualidades no filme?

Bastidores de ‘A Mulher na Janela’

Antes de falarmos sobre o conteúdo em si, vamos lembrar um pouco mais sobre os bastidores do longa-metragem. Primeiramente, ‘Uma Mulher na Janela’ ganhou os primeiros contornos pelo estúdio 20th Century Fox — e que hoje, depois da compra da Walt Disney Company, é chamado de 20th Century Studios. A ideia, inicialmente, era lançar em setembro de 2019. No entanto, mesmo com um diretor experiente, elenco de primeiro escalão e livro best-seller, ‘Uma Mulher na Janela’ já começou não dando certo. No primeiro semestre de 2019, exibições testes mostraram que a forma de contar a história de Anna, essa protagonista com agorafobia, não funcionou. O público, na época, simplesmente não entendeu o filme.
A 20th Century Studios, então, percebeu que não tinha salvação para aquele roteiro de Tracy Letts (‘Álbum de Família’), nem tinha como resolver na edição. Assim, a solução foi reescrever a terceira parte da trama, reservar cinco dias para novas gravações e, enfim, refazer a conclusão do filme. Mas de novo não deu certo. Novas sessões testes indicaram o público confuso.  Assim, a solução da Disney foi jogar o filme pra frente. Foi adiado para maio de 2020. Seria o tempo necessário para encontrar uma solução, na pós-produção, para salvar aquela história que tinha tudo para dar certo nas bilheterias. Foi o tempo para o mundo desabar. A. J. Finn, o autor do livro, foi acusado de ser um mentiroso compulsivo. Mentiu currículo, doenças… Do lado do longa-metragem, o produtor Scott Rudin (‘Onde os Fracos Não Têm Vez’, ‘A Rede Social’) foi acusado de abuso moral e até mesmo denunciaram casos de violência nos bastidores. E aí veio a última pá de cal: antes da estreia em maio, chegou a pandemia da covid-19. A Disney, que herdou o filme da Fox, vendeu ‘A Mulher na Janela’ pra Netflix.

Dificuldade na adaptação

Hoje, com o filme já disponível no serviço de streaming, dá para falar sobre um problema que vai além dos bastidores. E até mesmo explica essa dificuldade do público entender a história. Afinal, o livro de A. J. Finn não é que nem outras produções do tipo, que conta com uma investigação ao estilo Agatha Christie. É uma mulher solitária observando a vizinhança.
Protagonista do longa-metragem sofre de agorafobia e cenas recriam a ideia geral de ‘Janela Indiscreta’ (Crédito: Divulgação/Netflix)
O livro tem toques de ‘Janela Indiscreta’, sim, mas não dá para resolver da mesma forma nos cinemas. Grande parte da narrativa se passa na cabeça de Anna, a protagonista. Há muitas conclusões que apenas ela sabe, apenas ela entende. O leitor surge como uma testemunha do que está acontecendo na casa vazia, escura e sem movimentação da personagem. Para colocar isso nas telas, Joe Wright cortou muita coisa — a relação de Anna com Ethan (Fred Hechinger), o filho dos vizinhos, é perigosamente encurtada. Deixa parte da história “manca”. Algumas coisas passam a não fazer sentido. Não tem a mesma força. Até mesmo a relação com o inquilino perde camadas importantes, diminuindo o impacto da trama. Além disso, sobra expectativa. O livro que deu origem ao filme da Netflix faz parte do chamado movimento “thriller doméstico” — ou seja, investigações, crimes e coisas do tipo que acontecem no ambiente doméstico, geralmente sem policiais como protagonistas. Dois sucessos, ‘Garota Exemplar’ e ‘A Garota no Trem’. O público espera algo similar.  No entanto, tendo essa dificuldade na trama e os desafios de bastidores, ‘A Mulher na Janela’ não tem a mesma força da produção de David Fincher, tampouco o mergulho psicológico do longa-metragem estrelado por Emily Blunt. Acaba ficando no meio do caminho, sem encontrar sua própria identidade, perdido entre tensões de bastidores e adaptação ruim.

‘A Mulher na Janela’ é tão ruim?

Agora, para finalizar, um breve espaço para nossa reflexão, levando em conta tudo isso que contamos anteriormente. ‘A Mulher na Janela’ não é um filme bom. Tem problemas pouquíssimo discretos, como a artificialidade da relação entre Anna e o filho dos vizinhos. Além da reviravolta que não deve surpreender, dada a falta de delicadeza da trama.
Julianne Moore está no elenco de ‘A Mulher na Janela’ (Crédito: Divulgação/Netflix)
Mas, lá pela metade do longa-metragem, o filme ganha força. Joe Wright parece que percebe que não dá para deixar a história desacelerar, precisando manter o ritmo incessante. Se cair a peteca, os problemas ficam mais claros. Há um embate forte entre Adams e Gary Oldman, com boa atuação dos dois. Além de um clima estranho que permeia o ar. Só que as coisas vão por água abaixo no terceiro ato. É justamente a parte que o público da sessão teste não gostou e que foi refilmada. Há artificialidade exagerada no que é mostrado na tela, assim como uma edição que beira o brega — os cortes mostram justamente o que não deve ser feito em uma cena de briga. ‘A Mulher na Janela’ sai todo do prumo.  E aí encerramos com algumas dúvidas. Será que um cineasta mais familiarizado com o thriller não teria encontrado soluções para um livro tão difícil de colocar nas telas? Ou, se ‘A Mulher na Janela’ tivesse mantido o final original, teríamos encontrado uma produção mais criativa? Nunca saberemos. Só sabemos que nem todo livro de sucesso cabe nas telonas. E que nem todo subgênero de sucesso funciona para sempre.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

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