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Crítica de ‘Rebel Moon (Parte 2)’: Zack e seus fetiches

Pouco depois de ter assistido à primeira parte de Rebel Moon em dezembro passado, a conclusão generalizada – por obviedade – era que Zack Snyder havia feito uma cópia de Os Sete Samurais de Akira Kurosawa, mas no espaço. Ou pelo menos da sua primeira metade. E meio que brincando, antecipava-se que Rebel Moon (Parte 2) – disponível na Netflix desde hoje, 19 de abril – seria a réplica exata do resto da história, onde um punhado de bravos guerreiros ensina alguns aldeões a se defenderem dos invasores.

Com o tempo, e surpreendentemente: chegaram os primeiros trailers do filme. Entre um monte de cenas em câmera lenta, a história discernível era a mesma: guerreiros ensinando os aldeões como lutar.

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Dito isso, não é necessário adicionar muito mais para expressar o lamentável buraco negro de criatividade, engenhosidade e alma que é a segunda entrega de Rebel Moon. Outrora proclamada como “Star Wars para adultos”, acaba sendo menos que a soma de suas partes, todas e cada uma delas pobres imitações do pastiche pós-moderno definitivo criado por George Lucas.

Sério, Zack?

Breve resumo: depois que Kora/Arthelais (Sofia Boutella, de Climax) derrota o almirante Noble (Ed Skrein,) do Império, ou Mundo Mãe, ela e Gunnar (Michiel Huisman) retornam à sua pequena lua agrícola, Veldt, tendo cumprido sua missão: recrutar um grupo de bravos guerreiros (Djimon Hounsou, Doona Bae, Staz Nair e Elise Duffy) para se defenderem dos invasores imperiais, que retornarão em cinco dias para despojá-los de suas colheitas. Então, como dito: Rebel Moon: Parte 2 – A Marcadora de Cicatrizes torna-se um montagem dos camponeses rebeldes aprendendo a lutar, fazendo planos, cavando trincheiras. Snyder e seus co-roteiristas, Kurt Johnstad e Shay Hatten, tentam corrigir o grande erro da primeira parte, que quase não nos disse nada sobre seus heróis centrais. Sentados à mesa como se fosse a Última Ceia (porque isso é um filme de Zack Snyder, e o simbolismo cristão gratuito não pode faltar), cada um vomita um solilóquio solene sobre seus passados trágicos.
Rebel Moon (Parte 2 ) insiste em ser Os Sete Samurais no Espaço (Crédito: Netflix)
Todos são tão apressados e vazios de emoção, que em nada contribuem para dar um pouco de vida a este mundo inerte (apenas algo do carisma de Djimon Hounsou consegue escapar do buraco negro). Mas, claro, na visão de Zack Snyder, é a seriedade absoluta que transforma um filme em uma arte capaz de transcender qualquer trapalhada de roteiro ou rigidez autoral. E depois, vem o clímax, onde emergem os piores fetiches e a pobre imaginação de nosso querido Zack. Ao grito de guerra, correm para enfrentar a morte personagens tão díspares como um Conan o bárbaro, uma Furiosa de outlet, um robô em cosplay de Jesus (com tudo e coroa de espinhos), e tipos retirados de qualquer rancho. Como se a uma criança tivessem acabado as figuras de ação para brincar, e tivesse completado sua equipe com bonequinhos Playmobil. O paradoxo de Rebel Moon (Parte 2) é que seu mundo está desprovido de vida e, ao mesmo tempo, deleita-se na morte. Se já era difícil conectar com seus personagens vazios e ambientes sem imaginação, o teimoso estilo de Snyder para exaltar a ação e a violência só faz distanciar ainda mais emocionalmente. E o diretor aplica sua infame câmera lenta a qualquer coisa, independentemente de sua contribuição à narrativa ou de qualquer potencial de significado, desde que pareça legal. Herói musculoso disparando? Claro. Duelo de espadas de luz? Com certeza. Um cara morrendo no chão? Perfeito. A debulha do trigo? Vamos nessa.
Os personagens são tão incongruentes entre si quanto chatos e sem imaginação (Crédito: Netflix)

A ameaça de mais Rebel Moon

Dado o implacável vazio de humanidade e criatividade em Rebel Moon (ambas as partes, como um todo), cabe perguntar o que diabos Zack Snyder e Netflix pretendem ao fazer edições do diretor, mais longas e explícitas. Talvez haverá mais sexo alienígena sem censura e simbolismo genital sem sentido (mas por que não fazê-las desde o início?). Embora não tenha alcançado as alturas que a Netflix gostaria (pelo menos não por um orçamento combinado de 166 milhões de dólares), a primeira Rebel Moon foi consideravelmente popular na plataforma. Teremos que ver como se sai a segunda. No entanto, a julgar por seu ridículo final aberto e pelas palavras de Zack Snyder, essa saga poderia continuar no futuro. “Acho que quatro [filmes] faria sentido”, disse o diretor em uma entrevista recente. “Suponho que depende de se cada vez que fazemos um desses filmes, acabamos fazendo dois”. Para a Netflix, desde que uma produção se traduza em permanência em sua plataforma, não há lixo que seja impossível vender com a embalagem certa. Mas talvez seja hora de não dar mais dinheiro ao rei das “edições do diretor”, que se esconde nelas – mesmo mais de uma década depois – para justificar sua pobreza cinematográfica. Pelo menos uma hipotética Rebel Moon 3 já não será uma lamentável cópia de Os Sete Samurais. Só esperamos que ele se mantenha longe de Kurosawa da próxima vez. Se chegar lá.

Rebel Moon: Parte 2 – A Marcadora de Cicatrizes, já está na Netflix. Saiba mais sobre o filme.

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Lalo Ortega

Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.

Escrito por
Lalo Ortega

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