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‘A Porta ao Lado’ reflete sobre afetos e relações em tempos de desconexão

Foi em 2015 que a cineasta Júlia Rezende emocionou com o filme ‘Ponte Aérea’. No longa-metragem, Bruno (Caio Blat) e Amanda (Letícia Colin) têm que enfrentar as dificuldades de uma relação de longa distância após se encontrarem em um voo forçado a fazer um pouso de emergência. É um filme bonito, singelo, triste, que analisa as relações daquele tempo. Agora, a cineasta retoma a parceria com Colin para pensar como estão as relações amorosas oito anos depois em ‘A Porta ao Lado‘, longa-metragem dramático, mas com toques de romance, que estreia nesta quinta-feira, 9.

Enquanto o filme de 2015 analisa a globalização e o distanciamento que as redes sociais começavam a causar naqueles tempos, ‘A Porta ao Lado’ analisa a fluidez das relações, o desejo feminino, a relação com o corpo. Na história, acompanhamos dois casais de vizinhos: Mari (Colin) e Rafa (Dan Ferreira) e Isis (Bárbara Paz) e Fred (Tulio Starling). O primeiro é um casal monogâmico, que vive uma tradicional vida a dois. O outro é um casal não-monogâmico, que vive uma vida livre de amor e relações. É desse encontro que nascem sentimentos conflitantes.

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“O filme nasceu a partir de conversas minhas com a Letícia Colin, depois que a gente fez ‘Ponte Aérea’. A gente começou a ficar com muita vontade de seguir investigando as relações afetivas. Aquele filme falava de um casal jovem, de 20 e poucos anos, e aí pensamos como seria um casal aos 30 anos lidando com a vida adulta de uma maneira mais concreta”, explica Júlia ao Filmelier. “A gente partiu para uma pesquisa, entrevistamos pessoas sobre sexualidade, monogamia e relações, que nos alimentou com histórias e ideias. Passamos anos gestando esse projeto”.
Personagem de Letícia Colin vive um momento de desconexão com o marido (Manequim Filmes)

‘A Porta ao Lado’ e a importância do desejo

O longa-metragem, assim, é uma análise de como as relações estão se transformando e, acima de tudo, como o desejo feminino é visto e tratado hoje em dia. Rezende, como sempre faz bem em seus filmes, quebra tabus e estereótipos. “O desejo feminino é uma pedra fundamental da nossa sociedade. E a gente fica rechaçando, não falando sobre isso. E a pessoa vai adoecendo. Desejo é vida e tá tudo bem. A gente teve essa coisa cristã muito louca que todo mundo ficou frustrado, tenso e faz com que as pessoas se metam em ciladas. As pessoas vão repetindo padrões. Eu desejo e quero que meu filho também tenha desejos, que tenha ferramentas para se sentir seguro e à vontade para poder ser feliz. Nós somos corpo, somos matéria. A pele é libidinosa, prazerosa. A hipocrisia é o problema”, resume Colin ao Filmelier. Dessa forma, ‘A Porta ao Lado’ faz com que seus personagens — principalmente as mulheres — sejam livres, seja de escolha, de prazer, de desejo. É o corpo ditando as regras em um mundo cada vez mais gelado em termos de relacionamento. “O corpo responde para onde você tem que ir. Às vezes, você fica lutando contra isso, mas aí as pessoas adoecem, reprimindo o corpo. O filme vem naturalizar o desejo, o tesão, o sexo”, diz Júlia Rezende. “Ver uma mulher se masturbando em cena é algo tão raro, mas ao mesmo tempo tão importante. É necessário que a gente naturalize isso. Quantas vezes vimos cenas de masturbação masculina? Mas poucas com uma mulher em cena”.

As desconexões do tempo presente

Curioso notar como há uma outra diferença essencial entre ‘A Porta ao Lado’ e ‘Ponte Aérea’: a desconexão. O filme de 2015 pensa em um mundo que começa a se conectar, a se digitalizar e a se aproximar por isso. Agora, em 2022, Júlia Rezende pensa nessa sociedade que já tem a internet como algo estabelecido e que até mesmo dita nossas relações. “É um mundo de amores líquidos. As pessoas não querem se relacionar, têm medo de se relacionar. A internet deu um acesso muito fácil pra você se conhecer através da escrita, de uma conversa em um chat, mas o afeto ficou distante. Acho que o filme é sobre essas relações nesse universo de hoje, das redes sociais, das desconexões. O filme fala sobre isso”, resume Bárbara Paz ao Filmelier, que interpreta, em ‘A Porta ao Lado’, essa mulher de amores livres.
Bárbara Paz e Dan Ferreira em cena de ‘A Porta ao Lado’ (Manequim Filmes)
É a mesma visão de Túlio Sterling, que interpreta o marido de Bárbara no longa — o mais livre de todos os personagens. “Nesse mundo algorítmico, as conexões são tão vastas e rápidas que o corpo orgânico não dá conta. Não dá conta de elaborar todas as possibilidades que parecem reais. A gente hoje cria afeto digitalmente. O filme olha para o momento que você abaixo o telefone e precisa olhar para a pessoa na sua frente. É sobre a relação com os outros, com as pessoas ao seu lado. Fala sobre conexões, desconexões e a relação quando desligamos a tela”, diz ele. E qual a resposta? Como o mundo vai se comportar com as relações cada vez mais líquidas, às vezes até mesmo mais distantes? Paz diz que o longa não veio pra isso: “É uma reflexão. O filme é uma pergunta, não uma resposta”.

‘A Porta ao Lado’ está em cartaz nos cinemas. Clique aqui para comprar ingressos.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

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