Comic-Con: Diretores latinos de terror se afastam das raízes e abraçam EUA Comic-Con: Diretores latinos de terror se afastam das raízes e abraçam EUA

Comic-Con: Diretores latinos de terror se afastam das raízes e abraçam EUA

Em painel da San Diego Comic-Con virtual, cineastas latinos se referiram à inspirações americanas e deixaram de lado cineastas que fundaram o terror na região

Matheus Mans   |  
25 de julho de 2020 11:06
- Atualizado em 26 de julho de 2020 17:08

Qual a cara do terror latino-americano hoje? Foi essa pergunta que o painel “Latin American Horror Cinema 2: Sometimes They Come Back” tentou responder nesta sexta-feira, 24, durante a Comic-Con@Home, a versão online da San Diego Comic-Con na pandemia. Seis cineastas — em sua maioria mexicanos e sem nenhum brasileiro — falaram de influências e novos projetos, que suguem o caminho da americanização.

Afinal, logo de cara ficou evidente que as produções latinas clássicas de terror não exercem nenhum tipo de magnetismo dentro das propostas dos cineastas. Alejandro Brugués (‘Juan dos Mortos’), Demián Rugna (‘Aterrorizados’) e Isaac Ezban (‘The Incident’) se uniram em uníssono para falar de Guillermo del Toro (‘O Labirinto do Fauno‘). E só, nada mais.

‘Juan dos Mortos’ é um dos expoentes do cinema latino de terror (Foto: Divulgação/Alejandro Brugués)

Enquanto isso, os outros painelistas rodearam nomes como Alfonso Cuarón (citando, diretamente, ‘Filhos da Esperança‘), o americano John Carpenter (‘O Enigma de Outro Mundo‘), Fede Alvarez (‘O Homem nas Trevas‘), Andy Muschietti (‘It: A Coisa‘). Zé do Caixão (conhecido nos EUA como Coffin Joe) não foi citado sequer uma vez. Nem C. Z. Soprani, Ricardo Islas, nada disso.

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“Eu cresci vendo ‘Chaves’, ‘Dragon Ball Z’ e programas de cirurgias estéticas. Talvez por isso eu tenha uma estética gore”, disse a diretora Gigi Saul Guerrero, de ‘Culture Shock’. Já o argentino Demián Rugna foi além. “Tive inspiração também em uma religião brasileira, que também existe na Argentina, que utiliza de bruxaria”, disse o cineasta numa estereotipada referência à umbanda.

Brasil deixado de lado no terror

É interessante notar, assim, uma clara dissociação do terror feito no Brasil com o que cineastas do restante da América Latina estão buscando de inspiração. Em terra verde-e-amarela, afinal, há cada vez mais um resgate de raízes, com clara influência de filmes como ‘À Meia Noite Levarei Sua Alma’ ou, ainda, o polêmico ‘Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver’.

Cineastas como Rodrigo Aragão (‘A Mata Negra’), Samuel Galli (‘Mal Nosso’), Marco Dutra (‘As Boas Maneiras‘) e Juliana Rojas (‘Sinfonia da Necrópole‘) buscam dialogar com folclore e raízes brasileiras, enquanto falam sobre abismos sociais, diferenças econômicas e outras particularidades do País. Sempre evocando esse cinema de outros tempos, fundado por José Mojica.

‘À Meia-Noite Levarei Sua Alma’ é um dos pilares do terror brasileiro (Foto: Divulgação)

Enquanto isso, os cineastas do restante da América Latina admitem essa influência americana, principalmente se valendo do argumento de que não há grandes influências clássicas do gênero por aqui. “Nasci em Cuba, mas fui criado na Bolívia. Nunca tive muito acesso ao que estava sendo feito do gênero na América Latina”, conta Alejandro Brugués, de ‘Juan dos Mortos’.

Isso fica perceptível ao ver as histórias por trás dos filmes desses cineastas. São lobisomens em um faroeste, zumbis americanos e coisas desse tipo.

Realidade latino-americana

No entanto, no último badalar do painel de mais de 50 minutos, dois dos cineastas falaram um pouco mais de como o cotidiano afeta a maneira que eles contam suas histórias e, de alguma maneira, brincam com o horror sob as mais diferentes perspectivas. O diretor cubano, por exemplo, fala sobre algo que também é realidade no Brasil: as famosas lendas urbanas.

“O governo cubano não permitia mostrar crimes na televisão, mas sempre tinha um falatório”, disse o cineasta de ‘Juan dos Mortos’. “As pessoas falavam sobre coisas que aconteciam, com versões diferentes. Você nunca sabia o que era verdade o que não era. Haviam muitas histórias por aí. Quanto mais você se baseia na realidade, melhor o cinema fica”.

Por fim, Gigi Saul Guerrero, que hoje vive no Canadá, também destaca as origens. “Quanto mais estava conectada àquilo que me inspirava, que é nossa própria história, nossa própria cultura, eu fiquei obcecado por Joaquin Murietta, Frida Kahlo, com qualquer coisa sobre nossa história. Em cada canto no México temos uma história bonita pra contar”.