‘Doutor Estranho no Multiverso da Loucura’ traz o melhor da fórmula Marvel, mas também o sinal de sua fadiga ‘Doutor Estranho no Multiverso da Loucura’ traz o melhor da fórmula Marvel, mas também o sinal de sua fadiga

‘Doutor Estranho no Multiverso da Loucura’ traz o melhor da fórmula Marvel, mas também o sinal de sua fadiga

O filme, que estreia nesta semana nos cinemas, é uma enorme explosão visual ao melhor estilo do diretor Sam Raimi, saciando a vontade dos fãs da Marvel – porém, a história não fica de pé para o espectador ocasional

4 de maio de 2022 17:45
- Atualizado em 19 de fevereiro de 2023 09:36

Foi no começo de 1995 quando li a primeira edição de ‘Marvels’, a famosa HQ de Kurt Busiek e Alex Ross que conta a cronologia da Marvel Comics em tempo real. Senti como se a minha cabeça explodisse ao ver como todo aquele universo de super-heróis se interconectava e se retroalimentava, tudo a partir da visão de um fotojornalista. É, afinal, a representação máxima do que significam os gibis da editora: um grupo enorme de personagens que vivem se trombando pelas ruas de Nova York.

Passadas algumas décadas, esse virou também o trunfo da Marvel Studios nos cinemas. Liderado por Kevin Feige, que finalmente levou ao máximo os sonhos de Stan Lee, o estúdio construiu a sua base justamente ao levar para a tela grande essa ideia de universo interconectado, cada vez mais cheio dos chamados “crossovers” (encontros). Nesses últimos 15 anos, essa visão criou um fenômeno de público e comercial, uma joia que produz e lança várias séries e filmes por ano.

No entanto, a estreia de ‘Doutor Estranho e o Multiverso da Loucura’ – que chega aos cinemas amanhã, 5, mas já tem sessões de pré-estreia nesta quarta, 4 – traz, sim, os sinais de que essa fórmula mágica pode estar dando os seus primeiros grandes sinais de fadiga.

Benedict Cumberbatch volta ao manto do Doutor Estranho no segundo filme solo do herói (crédito: divulgação / Disney)
Benedict Cumberbatch volta ao manto do Doutor Estranho no segundo filme solo do herói (crédito: divulgação / Disney)

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Veja bem, não me leve a mal: o filme é muito bom. Em boa parte, mérito do diretor Sam Raimi. Grande responsável pela primeira trilogia do Homem-Aranha e por longas de terror como ‘A Morte do Demônio‘ (‘Evil Dead’) ou ainda pelo ótimo ‘Darkman: Vingança Sem Rosto‘, Raimi saiu de um hiato de quase dez anos da função para comandar uma produção que traz o melhor de suas características.

A fotografia, direção de arte, planos, enquadramentos e as mais diversas escolhas criativas berram o nome do cineasta. Em certos momentos, é como se estivéssemos vendo o primeiro ‘Homem-Aranha‘. Em outros, parecem sequências que poderiam funcionar muito bem dentro da trilogia ‘Uma Noite Alucinante’.

Tudo isso quebra um marasmo que tem tomado o Universo Cinematográfico Marvel. Afinal, em sua maioria são filmes de produtor – no caso, do próprio Kevin Feige – e as tentativas de quebrar esse paradigma nem sempre funcionam com o público (é o caso de ‘Eternos‘, por exemplo). Ver um cineasta que imprime a sua marca para criar Cinema com c maiúsculo, nesse contexto, é sempre refrescante (ainda que seja para brincar com referências ao terror).

O problema surge mesmo quando paramos para prestar atenção não só na forma, mas no que é contado em cena. O roteiro, assinado por Michael Waldron (da série ‘Loki’), serve única e exclusivamente para manter rodando essa grande engrenagem que é a Casa das Ideias cinematográfica.

Veja: a história usa como ponto de partida não só o primeiro ‘Doutor Estranho‘, mas também ‘Vingadores: Guerra Infinita‘, ‘Vingadores: Ultimato‘, ‘Homem-Aranha: Sem Volta para Casa‘ e as séries ‘WandaVision’, ‘Loki’ e ‘O Que Aconteceria Se…?’.

A America Chavez de Xochitl Gomez é um dos maiores destaques do filme - e ela guia o publico pelo multiverso (crédito: divulgação / Disney)
A America Chavez de Xochitl Gomez é um dos maiores destaques do filme – e ela guia o publico pelo multiverso (crédito: divulgação / Disney)

Não é exagero: no novo longa-metragem, o dr. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) começa lidando com o insucesso do relacionamento com Christine (Rachel McAdams), visto no primeiro filme solo do herói, enquanto é assombrado pelas decisões que teve em ‘Guerra Infinita’ e por ter “virado pó” por cinco anos (como soubemos em ‘Ultimato’). Após encontrar uma jovem chamada America Chavez (Xochitl Gomez), que viaja pelo multiverso de infinitas realidades paralelas (introduzido em ‘Loki’), o Doutor Estranho pede ajuda de Wanda (Elizabeth Olsen) – ainda sofrendo pelos acontecimentos de ‘WandaVision’. Se segue, então, uma aventura por diversos universos alternativos, encontrando algumas coisas vistas em ‘O Que Aconteceria Se…?’.

Claro, tudo isso forma uma poderosa ferramenta de marketing. Os fãs se sentem na obrigação de acompanhar tudo, assinam o Disney+, compram ingressos de cinema na pré-venda e explodem de alegria a cada referência e citação.

Não há duvidas: ‘Doutor Estranho e o Multiverso da Loucura’ será um sucesso estrondoso de bilheteria.

Porém, por quanto tempo isso irá durar? Afinal, está cada vez mais difícil ficar atualizado com tantas novas produções sendo lançadas o tempo todo. Quem perde o fio da meada, como fica? Ou o público que não é convertido, como entra nessa roda gigante para se divertir?

Será que uma hora não vamos todos ficar perdidos e alienados, sem saber o que ver e como ver? Não por menos, o tema virou esquete do ‘Porta dos Fundos’ na última semana.

Isso poderia ser facilmente solucionado se as histórias fossem mais autocontidas e ficassem de pé sozinhas, apenas com uma participação especial e referência aqui e ali. Não são, não mais. Este novo filme não funciona como uma continuação direta de ‘Doutor Estranho’, então é difícil curtir e se envolver com a história apenas com isso.

A Wanda de Elizabeth Olsen segue andando em círculos no MCU, além de cair em um perigoso clichê para personagens femininas poderosas (créditos: divulgação / Disney)
A Wanda de Elizabeth Olsen segue andando em círculos no MCU, além de cair em um perigoso clichê para personagens femininas poderosas (créditos: divulgação / Disney)

Tem mais. Parece haver uma repetição de temas, clichês e situações. Na tentativa de evoluir a história maior do MCU, os protagonistas vivem ciclicamente os mesmos desafios. Evoluem enquanto personagens, sim, mas muito pouco.

Para piorar, o tema de multiverso e realidades alternativas pode soar confuso para o público que não está totalmente acostumado ao assunto.

É tudo isso que se reflete no roteiro de ‘Doutor Estranho no Multiverso da Loucura’. Diverte? Claramente. É como um orgasmo visual, uma explosão de cores, de ideias, de conceitos. Steve Ditko, co-criador do personagem, teria ficado feliz pelo lado artístico. Agora, isso é o suficiente?

Talvez seja hora de Feige deixar de lado essa ideia de “grande plano” para o Universo Cinematográfico Marvel, concebendo mais histórias como o primeiro ‘Homem-Formiga‘ ou até mesmo ‘Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis‘.

Spoiler: não vai acontecer. O próprio ‘Doutor Estranho no Multiverso da Loucura’ já deixa um enorme gancho para o próximo crossover da Marvel Studios, se relacionando com os fatos de ‘Loki’. Isso sem mencionar que mais uma reunião do tipo se desenha a partir da série ‘Invasão Secreta’, que vem aí no Disney+.

Ok, o Renan que leu ‘Marvels’ em 1995 adorou ‘Doutor Estranho no Multiverso da Loucura’. Só que o Renan jornalista, de 2022 e mais cético, se pergunta: até onde isso é sustentável? E até que ponto conexões e referências vão sustentar filmes que não ficam de pé sozinhos?

O jovem eu segue torcendo para a minha versão atual estar exagerando e completamente errada. O eu mais velho também.

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