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‘Loucos por Justiça’ revela como o cinema dinamarquês está ganhando camadas

Foi-se o tempo em que o cinema dinamarquês era restrito ao Dogma 95 ou apenas formado por histórias experimentais. ‘Loucos por Justiça’, que chegou às plataforma de streaming de aluguel e compra na última quinta-feira, 5, é cinema dinamarquês contemporâneo puro: com personagens absolutamente reais, mostrando nuances psicológicas, mas passeando entre diferentes gêneros do cinema.

Afinal, esta produção comandada por Anders Thomas Jensen é essencialmente um drama sobre um pai de família (Mads Mikkelsen) que precisa voltar para casa após a morte da esposa em um ato terrorista. Mas, mesmo com uma história densa sobre esse homem buscando vingança, ‘Loucos por Justiça’ também é comédia e ação em iguais medidas.

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Mads Mikkelsen interpreta o papel de um pai em busca de vingança (Crédito: Divulgação/Synapse)
“É um ato de equilíbrio. Na verdade, tivemos que cortar algumas piadas em ‘Loucos por Justiça’ para que os dois – o humor e o drama – não se canibalizassem”, explica o diretor Anders Thomas Jensen, conhecido também por ‘Entre o Bem e o Mal’ e ‘Men & Chicken’, sobre o tom do filme. “Queria ter certeza de que o drama geraria uma resposta emocional real”.

História de ‘Loucos por Justiça’

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A ideia do longa-metragem, que é compartilhada por Jensen e Nikolaj Arcel (‘O Amante da Rainha’), nasceu a partir do drama puro. “Tive uma ideia para outro projeto onde um dos personagens era um ex-soldado que sofria de depressão. Decidi explorar esse personagem”, conta ao Filmelier. A partir disso, o diretor mistura elementos do cinema em cima dessa base. “Todos os meus filmes contêm um tema que gira em torno de um assunto existencial. O cinema é adepto de abordar as grandes dúvidas da vida. É apenas uma questão de como esses temas são apresentados”, diz. “Acho que o humor geralmente permite mensagens mais profundas. A gravidade de um assunto de vida ou morte é mais fácil de debater em um contexto ou universo cinematográfico que talvez não se leve muito a sério”.
No final, com a direção firme de Jensen, há uma experimentação de histórias, personagens, tons, ambientações. É uma espécie de mistura de tudo que o diretor apresentou até aqui. “Eu queria fazer um filme mais realista do que, por exemplo, ‘Men and Chicken’ e mais próximo de alguns dos meus trabalhos anteriores com uma base dramática mais forte”, diz.

Alquimia de ‘Loucos por Justiça’

Com isso, os atores tiverem que compor seus personagens em cima dessa base tão modular. Andrea Heick Gadeberg (‘O Sequestro de Daniel Rye’), por exemplo, tem um dos papéis mais desafiadores do longa-metragem: a filha do personagem de Mikkelsen, que acabou de ver a mãe ser morta. É o papel mais dramático da produção, puxando o tom do longa para baixo. “Foi difícil. A minha personagem não tem quase nada de comédia, não é engraçada no filme”, conta Andrea em entrevista ao Filmelier, sobre sua personagem. “Ela fica ao redor dessas pessoas malucas, fazendo coisas bizarras. Ela não ria. Era bem difícil. Todos atores eram muito engraçados, até mesmo por trás das câmeras. Precisei manter a compostura”. Já Nikolaj Lie Kaas, ator que interpreta um cientista que auxilia o personagem de Mads Mikkelsen, se torna uma espécie de ponto de transformação do filme. Ele une a seriedade de Mikkelsen, o drama intenso da garota e o humor de outros personagens coadjuvantes. Ele transita entre todos os gêneros, com o personagem mais complexo do que parece.
Andrea Heick Gadeberg e Nikolaj Lie Kaas em cena de ‘Loucos por Justiça’ (Crédito: Divulgação/Synapse)
“Nós sabíamos que [a existência de dois gêneros] iria entrar em conflito em algum ponto. E chegamos com toda a comédia e toda a loucura e todas essas coisas e acho que Otto é meio que o elo entre esses dois mundos”, diz ele, se referindo ao seu personagem no longa-metragem. “A edição também foi um grande desafio. Diria que 90% da comédia que fizemos não está no filme”.

Sucesso da Dinamarca

‘Loucos por Justiça’, assim, é mais um exemplo de como o cinema da Dinamarca está encontrando meios de se comunicar com outros públicos para além daquela fria região da Europa. “Estamos melhorando em explorar outros gêneros além do drama”, diz Jensen sobre esse movimento pop. “Ao mesmo tempo, temos financiamentos e orçamentos mais elevados que podem contribuir para aumentar a qualidade dos filmes”. Nikolaj Lie Kaas, ao lado de Mads Mikkelsen, é um daqueles rostos dessa popularização do cinema nórdico. Ele é um dos principais nomes do elenco de ‘Departamento Q’, saga de filmes que traz fortes influências do cinema norte-americano com uma trama policial e investigativa. Com ‘Loucos por Justiça’, Kaas avança nesse processo popular — mas com uma preocupação. “Temos um humor muito sarcástico e irônico. Por isso, às vezes entendemos que um filme não tem como ‘viajar’. Tínhamos dúvidas com esse. Será que as pessoas vão entender que este filme não é só zombaria com obesos, por exemplo?”, questiona. “Infelizmente, isso acontece com alguns filmes do Anders Thomas Jensen. Mas aqui está tendo o sucesso que deveria ter”. ‘Loucos por Justiça’ já está disponível para aluguel e compra no streaming.

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Matheus ManseRaíssa Basílio

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

Escrito por
Matheus ManseRaíssa Basílio

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