Mercado de streaming

Fim da festa? Streaming se distancia de lançamentos simultâneos com os cinemas

O HBO Max não terá mais, nos Estados Unidos, lançamentos simultâneos com os cinemas em 2022. A informação, divulgada inicialmente no final de julho, foi reafirmada ontem (9) por uma das maiores redes de cinema daquele país, a AMC.

O anúncio revela – ao menos por enquanto – o fim de uma estratégia que foi colocada em prática em meio à pandemia da covid-19 e causou muita polêmica na indústria de cinema.

“Estamos especialmente satisfeitos em anunciar que a Warner Bros. resolveu deixar de lado o lançamento simultâneo [no streaming por assinatura]”, contou Adam Aron, CEO da AMC, em uma conferência com investidores. “Nós estamos com diálogos ativos [para o mesmo tipo de acordo] com todos os grandes estúdios”, garantiu.

Agora, a rede de cinemas terá 45 dias de exclusividade nos filmes do estúdio. De acordo com The Hollywood Reporter, tal acordo foi firmado em março passado.
A estátua do Pernalonga que recepciona os visitantes nos estúdios da Warner Bros., em Burbank, Califórnia (Crédito: Renan Martins Frade)

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Além do negócio com a AMC, a Warner Bros. já garantiu os 45 dias de exclusividade com a Cinemaworld (dona da Regal Cinemas). Ainda que não sejam públicos, outros contratos do tipo já devem estar assinados – e garantem que esses exibidores deem espaço (ou seja, mais salas) para as produções dos Irmãos Warner. Em troca, esses exibidores ganham uma porcentagem maior da receita, considerando o tempo mais curto de exclusividade. Tais declarações se somam ao que disse Jason Kilar, CEO da WarnerMedia, na última conferência com investidores da AT&T, grupo do qual a empresa (ainda) faz parte. No dia 22 de julho, o executivo afirmou que deixariam de lado o lançamento simultâneo, mas que não voltariam ao modelo anterior, de 90 dias de exclusividade nos cinemas. “[Em 2022] Vamos diminuir a janela [dos cinemas] para parte dos nossos lançamentos, para especificamente 45 dias”, disse Kilar – que, em seguida, afirmou que o HBO Max terá dez filmes exclusivos no próximo ano. Vale ressaltar que Kilar não afirmou que a janela de 45 dias será para o HBO Max ou se o serviço entrará depois de um outro período de exclusividade em plataformas de aluguel ou compra, como Apple TV e Google Play. É possível, dentro desse novo modelo, que a empresa faça uma estreia ao mesmo tempo dentro dos dois tipos de VOD, o de assinatura e o transacional – como já vem ocorrendo no Brasil.

Enquanto isso, na Disney e na Paramount

Outro bastião do lançamento simultâneo, a Disney também começou a recuar da estratégia. ‘Eternos’, próximo longa da Marvel Studios, não chegará ao Disney+ no mesmo dia que aos cinemas. O estúdio, ainda que seja um subsidiária do grupo, é outro que não estaria contente com a estratégia adotada na pandemia. No entanto, ainda não sabemos qual será a estratégia adotada pela empresa do Mickey dentro deste novo panorama. Há dúvidas sobre a continuidade do Premier Access (que gerou uma receita de US$ 60 milhões no lançamento de ‘Viúva Negra’, por exemplo) ou qual será o tempo de exclusividade para a tela grande. A Paramount Pictures, outro grande concorrente – e que nunca investiu no lançamento simultâneo -, garantiu que terá os 45 dias de exclusividade nos cinemas antes da estreia no Paramount+. No entanto, nada está escrito em pedra.
O famoso Bronson Gate da Paramount Pictures em Hollywood – o estúdio é parte da ViacomCBS (Crédito: Renan Martins Frade)
“A situação é um pouco fluída”, disse Bob Bakish, CEO da ViacomCBS, ao revelar o último relatório financeiro do grupo. “É para essa direção [dos 45 dias] que queremos ir com o tempo. Mas temos que olhar para cada título e nesta pandemia e descobrir a melhor estratégia”.

Como chegamos até aqui?

Tudo começou com a pandemia da covid-19, que levou ao fechamento de cinemas em todo o mundo. Para contornar o problema e impulsionar os serviços de streaming por assinatura de seus grupos, Disney e Warner Bros. anunciaram que os longas-metragens de 2020 e, principalmente, 2021 teriam lançamentos simultâneos na tela grande e video on demand. A grande diferença é que o Disney+ investiu em uma estreia mundial no streaming, em alguns casos por um custo adicional (o Premier Access). Já o HBO Max trouxe a estreia simultânea apenas nos EUA, sem qualquer cobrança além da assinatura mensal. Quando a medida foi anunciada, ainda em 2020, houve controvérsia quase instantânea. As redes de cinema e os pequenos exibidores ficaram irritados. Afinal, além de fechados, não teriam mais exclusividade dos grandes filmes no momento da reabertura. Na época, viralizou o vídeo de um dono de cinema destruindo o material de divulgação do filme ‘Mulan’ com um taco de baseball, por exemplo. Também houve descontentamento dos envolvidos na produção dos longas. O diretor Christopher Nolan foi o primeiro grande nome a levantar a voz contra a atitude da WarnerMedia. O que se fala, no mercado, é que a gigante do entretenimento teve que pagar compensações aos envolvidos nas produções – em alguns casos, maiores até do que o potencial financeiro dos longas. Mesmo dentro dos próprios grupos a estratégia causou divisão. As subsidiárias da Warner na América Latina, incluindo no Brasil, nunca adotaram o lançamento simultâneo no HBO Max. No nosso país, a janela entre a estreia na tela grande e no streaming está em 35 dias.
Christopher Nolan foi a primeira grande voz contrária aos lançamentos simultâneos (Crédito: divulgação / Warner Bros.)
Mais recentemente foi a vez de Scarlett Johansson entrar com processo contra a Disney, justamente por ver o pagamento que teria direito nos cinemas ser reduzida por conta da estreia simultânea no Premier Access – que continuou garantindo uma boa receita para o estúdio. Há relatos que outros astros, como Emma Stone, também estariam descontentes e estudando a possibilidade de irem à justiça. Além disso, a disponibilidade no HBO Max ou no Disney+, no dia um, facilitou o caminho da pirataria. Afinal, os filmes em alta resolução ficaram também disponíveis quase que instantaneamente por meios ilegais – atrapalhando as receitas de cinemas, distribuidores, astros, produtores, plataformas… Isso tudo – somado ao recrudescimento da pandemia nos EUA com a variante delta, nas últimas semanas – fez com que a bilheteria do recente lançamento ‘O Esquadrão Suicida’, da WB, fosse considerado decepcionante.

Para onde vamos?

Depois de 2020 e 2021 conturbados, a evolução da vacinação parece apontar para um 2022 com menos sobressaltos para o mercado tradicional de cinema. Isso, somado à problemas como pirataria, remuneração de produtores executivos e, claro, a pressão dos exibidores, deverá decretar o fim dos lançamentos simultâneos para os grandes filmes, os chamados blockbusters. Isso, ao menos, no futuro próximo. A tendência é que os grandes grupos de mídia dividam seus esforços entre filmes-evento para a tela grande e produções exclusivas para as plataformas de assinatura, buscando aumentar o número de membros pagantes nelas. Porém, o período de 45 dias entre a estreia desses blockbusters e o lançamento em serviços como Paramount+, Disney+ e HBO Max deverá se tornar o padrão mesmo entre esses filmes-evento. Para os pequenos e médios, claro, a história será outra – e o direto para video on demand ou até mesmo o lançamento simultâneo poderão ser o caminho para muitos.
Cinema da rede AMC ainda aguardando a estreia de ‘Mulher-Maravilha 1984’ – o filme seria novamente adiado para dezembro e lançado no mesmo dia no HBO Max (Crédito: divulgação / Warner Bros.)
Resta saber, agora, se o novo modelo dos estúdios é viável no longo-prazo. Barry Diller, ex-CEO da Paramount e Fox, afirmou ao podcast The Business que acredita que apenas 10% ou 15% das salas de cinema sobrevivam à mudança de paradigma. Quem continuar, na visão dele, será calcado nos filmes-evento e na experiência. Já o produtor Jason Blum, fundador da Blumhouse (da franquia ‘Atividade Paranormal’), vê um cenário um pouco diferente. Para ele, em outra edição do mesmo podcast, os streamings como a Netflix ainda não conseguiram encontrar um cenário para criar fenômenos culturais sem a ajuda dos cinemas – e que a janela de exclusividade para os grandes filmes na tela grande, ainda que não para todos, pode ser a chave para contornar isso. A Netflix, vale lembrar, já trouxe alguns longas para as salas de cinema antes de chegarem à plataforma – mas, em casos como os de ‘Roma’ e ‘O Irlandês’, sempre em um pequeno circuito de salas independentes. Falta, justamente, um acordo como o da Warner com a AMC. Enquanto isso, fenômenos em vídeo totalmente digitais – como lives e vídeos curtos, ou até mesmo longos, em plataformas como YouTube, Twitch, Instagram e Facebook crescem em importância e em fenômeno cultural, tirando tempo de atenção do cinema tradicional. Sem falar nos games, para onde a Netflix está indo. Mais do que uma briga por exclusividade e dinheiro, está em jogo a própria continuidade do cinema, enquanto “entidade”, e do formato do que conhecemos como filme. Por consequência, é o próprio destino do que convencionamos a chamar de Hollywood que está na balança.

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Renan Martins Frade

Jornalista especializado em cinema, TV, streaming e entretenimento. Foi por 11 anos editor do Judão e escreveu para veículos como UOL, Superinteressante e Mundo dos Super-Heróis. Também trabalhou com a comunicação corporativa da Netflix. Foi editor-chefe do Filmelier.

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