A idealização da Era de Ouro de Hollywood em ‘Mank’ A idealização da Era de Ouro de Hollywood em ‘Mank’

A idealização da Era de Ouro de Hollywood em ‘Mank’

Líder em indicações ao Oscar 2021, o longa de David Fincher é uma ode a tudo que Hollywood está tentando deixar no passado

24 de abril de 2021 09:21
- Atualizado em 25 de abril de 2021 19:11

David Fincher entregou um de seus melhores trabalhos na década errada. Afinal, o belíssimo ‘Mank‘ é o filme ideal – literalmente, pois idealiza uma das épocas mais celebradas do cinema, a Era de Ouro de Hollywood – para o Oscar. Um quase perfeito Oscar bait. Só que para outra geração.

Um dos primeiros impactos de ‘Mank’ é informar aos desavisados que o roteiro de ‘Cidadão Kane‘ na verdade foi escrito por Herman J. Mankiewicz e não por Orson Welles. Dito isso, acompanhamos a jornada do roteirista em finalizar seu trabalho para que Welles pudesse dirigir um dos maiores filmes já vistos.

Amanda Seyfried ganhou sua primeira indicação ao Oscar com ‘Mank’ (Foto: Divulgação/Netflix)

‘Cidadão Kane’ foi uma produção catártica para a indústria cinematográfica, logo, é relevante a história que Fincher decidiu contar. Ambientado nos anos 1930, fase em que o cinema estava em transição dos filmes mudos, o longa traz todo o brilho que poderíamos esperar desta época.

Por que ‘Mank’ foi feito na época errada?

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Com um elenco principal impecável, formado por Gary Oldman, Amanda Seyfried (ambos concorrem ao Oscar por sua atuações), Lily Collins, Charles Dance e Tuppence Middleton, é difícil tecer críticas a ‘Mank’. Muito porque ele foi feito para quem ama cinema.

Pois esse é o grande problema: todo o idealismo da produção remete a uma fase que Hollywood aos poucos está tentando deixar no passado. Enquanto o Oscar este ano abriu espaço para produções sobre protagonismo feminino, abuso sexual, violência étnica, representatividade de pessoas com deficiência, guerras e mais, ainda assim indicou ‘Mank’ em 10 categorias. É o líder no quesito indicações neste ano.

E o longa de David Fincher foi claramente pensado e feito para se dar bem nos Academy Awards, por ser um drama histórico sobre uma das maiores produções já feitas o cinema. Mas é um filme completamente quadrado, que não fomenta grandes discussões, é arte por arte. Não que isso seja ruim, só que não traduz o momento atual do que estamos vivendo na indústria cinematográfica.

O filme tem aquela fotografia em preto e branco, digna de Era de Ouro, que dá vontade de continuar olhando para a tela. Erik Messerschmidt fez um trabalho impecável, ele já tinha feito dupla com David Fincher em ‘Mindhunter’, e nos remete a ‘Cidadão Kane’ em momentos pontuais.

Gary Oldman e David Fincher nas filmagens de ‘Mank’ (Foto: Divulgação/Netflix)

Não só isso. ‘Mank’ tem diálogos que não vemos mais no cinema atual. As cenas protagonizadas por Gary Oldman e Amanda Seyfried são pura arte, incrivelmente bem feitas.

O longa é uma perfeita ode a tudo que não existe mais. Há um lado bom e um outro ruim nisso, pois, como mídia de massa, algumas coisas se tornaram datadas e precisam ficar no passado.

Ainda que ‘Mank’ pincele o fato de que um dos grandes estúdios de Hollywood influenciou a opinião pública com notícias falsas para manipular eleições na década de 1930, isso é colocado em segundo plano e acaba não sendo bem articulado para de fato citarmos como um assunto importante que o roteiro busca discutir.

Infelizmente, é duro aceitar que esse tipo de produção talvez não deva mais ter esse tipo de celebração em 2021. E, novamente, é importante reforçar que não estamos criticando a qualidade da produção e sim a falta de representatividade que ela emana.

#OscarsSoWhite

O movimento #OscarsSoWhite, que ganhou força em 2016, andou para que filmes como ‘Mank’ parassem de correr. Tanto que aquele foi o ano em que ‘Moonlight‘ foi o grande destaque da premiação, e a diversidade ganhou novamente quando o mexicano Guillermo del Toro ficou com o prêmio de melhor direção e melhor filme por ‘A Forma da Água‘, no ano seguinte.

No entanto, em 2019 ‘Green Book: O Guia‘ (dirigido por brancos e a partir de uma perspectiva branca) foi o grande consagrado do ano e novamente voltamos ao mesmo lugar.

Quando que a Academia de fato vai deixar de ser tão branca? Por mais que tenham membros diversos, a maioria dos jurados não fazem parte de nenhuma minoria. Então, muito provavelmente, preterir histórias mais inclusivas continuará sendo comum.

Em 2020, a esperança voltou com a vitória inédita de ‘Parasita‘. Bong Joon-ho entrou para a história de todas as formas possíveis e o longa ficou com quatro prêmios da

Academia – de melhor filme, roteiro original, direção e filme estrangeiro.

Pela primeira vez, em 93 anos de Oscar, uma produção de língua não-inglesa ficou com a estatueta de melhor filme da noite. E foi um longa da Coreia do Sul, que tem um nível baixíssimo de representatividade em Hollywood. Será que a Academia realmente aprendeu uma lição com ‘Parasita’? Se ‘Mank’ for o grande vencedor de 2021, talvez tenhamos uma resposta!

Tudo precisa ter representatividade agora?

Estamos vivendo uma fase em que existem problematizações em tudo. Seja em reality show, telejornal, programa humorístico e também no cinema. Não, não é possível agradar todo mundo e cada pessoa tem sua interpretação única das coisas – abrindo espaço para ilimitadas discussões.

Não dá para ter todo tipo de representatividade em todos os conteúdos midiáticos, sempre vai faltar alguma coisa. No entanto, estamos tão condicionados a simplesmente aceitar isso que fica difícil analisar friamente às vezes e é essa uma das discussões propostas aqui sobre ‘Mank’.

‘Mank’ foi indicado em 10 categorias no Oscar, foi o longa mais nomeado de 2021 (Foto: Divulação/Netflix)

A produção é ambientado em uma década onde faltava diversidade, de gênero, étnica e sexual. Mas tudo isso sempre existiu, desde que o mundo é mundo, então não seria tão radical pequenas inserções dessa diversidade no longa de David Fincher.

Nem tudo precisa ter uma pauta social tão bem fundamentada, só que a representatividade importa, por mais delicada que ela seja. Afinal, não é preciso forçar a barra e sim tornar uma das indústrias mais elitizadas do mundo um pouquinho mais inclusiva.

Por conta disso voltamos a bater na tecla que ‘Mank’ é uma idealização. Pois é a concepção de uma época em que Hollywood era completamente branca, mulheres eram colocadas em segundo plano, os atores LGBTQ+ precisavam esconder isso para conseguir papéis, entre outras coisas.

Claro que não temos que apagar a Era de Ouro do cinema, mas sim aprender que esse tipo de representação ficou datada e que há espaço para um mundo mais real na sétima arte.

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