As verdades (nada) secretas do Oscar As verdades (nada) secretas do Oscar

As verdades (nada) secretas do Oscar

Existem diversas teorias da conspiração e acusações contra o Academy Awards. Até que ponto tudo isso é verdade?

23 de março de 2022 11:06

Jantares, festas, pedidos de votos, lançamentos adiantados e verbas milionárias. Até onde vale o jogo pela vitória no Academy Awards? Nesta última parte da nossa série especial sobre o Oscar, vamos contar alguns desses segredos nada secretos.

Não que suas regras da maior premiação do cinema mundial sejam desconhecidas: como você já leu aqui no Filmelier, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas é bem transparente e abre para o público todos os passos para ser indicado e premiado com uma estatueta. Ainda assim, existem diversos mecanismos e meandros dentro da premiação, que são explorados pelos estúdios e produtores.

Nada contra algum regulamento, ou que seja feito às escondidas, mas muitas vezes são desconhecidos do grande público, o que alimenta teorias da conspiração – e que você vai conhecer agora.

Artigos anteriores

– O que é a Academia e quem vota no Oscar?
– Como começou o Oscar?
– Qual é o processo de qualificação de um filme para o Oscar?
– Como são escolhidos os indicados e vencedores do Oscar?
– Como é por dentro do Dolby Theatre, a casa do Oscar?

O famoso letreiro de Hollywood, a marca de um bairro que se tornou sinônimo da indústria do cinema dos EUA (crédito: Flickr / Gnaphron)
O famoso letreiro de Hollywood, a marca de um bairro que se tornou sinônimo da indústria do cinema dos EUA (crédito: Flickr / Gnaphron)

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O ponto-chave do Oscar é que a cerimônia é a porta de entrada para uma cobertura da mídia e atenção do público que, dificilmente, um estúdio consegue alcançar sozinho. Por isso, mais do que prestígio, ser indicado – e, em última instância vencer – em uma das categorias catapulta não só a divulgação do filme, mas também a carreira dos envolvidos. 

Um exemplo é o caso de Guillermo del Toro. Por mais que ele não tenha vencido nas categorias de Roteiro Original e Filme Estrangeiro em 2006 por ‘O Labirinto do Fauno’ (o longa saiu vitorioso em outras três), a exposição ajudou o diretor mexicano a crescer em Hollywood – culminando com as duas estatuetas que recebeu (Melhor Filme e Direção) em 2018, por ‘A Forma da Água’. 

Uma carreira muda
para sempre após a
indicação ao Oscar

Além de abrir as portas para projetos futuros, uma indicação ao Oscar ajuda na divulgação do próprio filme indicado – seja nos cinemas e, depois, no lançamento no streaming e no licenciamento para exibição na TV. Porém, a premiação é diferente de um festival, que destaca produções que ainda serão lançadas. No caso, o Academy Awards é uma forma de prestigiar os melhores filmes do ano anterior – lançados nos cinemas até 31 de dezembro.

É aí que entra a sagacidade dos distribuidores. Quando acredita-se que um filme tem potencial para se destacar na temporada de premiações (que não inclui apenas o Oscar) e que isso vai pode aumentar a bilheteria, eles lançam a produção em um pequeno circuito de salas na cidade de Los Angeles, normalmente entre novembro e, principalmente, dezembro – cumprindo assim os requisitos mínimos para se qualificar ao Academy Awards do ano seguinte.

Quando tudo dá certo, o longa é indicado ao Oscar em janeiro e, pouco depois, estreia nos cinemas de todo os Estados Unidos e do resto do mundo, usando a cobertura da imprensa sobre a premiação para potencializar o interesse dos exibidores e do público.

'1917' ficou em cartaz por uma semana em LA em 2019 apenas para ser elegível ao Oscar de 2020 (crédito: divulgação / Universal)
‘1917’ ficou em cartaz por uma semana em LA em 2019 apenas para ser elegível ao Oscar de 2020 (crédito: divulgação / Universal)

Um exemplo prático disso foi ‘1917’. O filme do diretor Sam Mendes estreou em circuito limitado nos cinemas de LA em 25 de dezembro de 2019, fazendo o mínimo possível para se qualificar ao Oscar de 2020 – e acabou com três estatuetas, um caminho que impulsionou o longa a alcançar uma bilheteria global de US$ 225 milhões.

A tática nem recente é: ela já era usada nos anos 1930. ‘…E o Vento Levou‘, por exemplo, foi lançado em poucas salas no final de 1939, se qualificando para o Oscar de 1940 – onde levou oito estatuetas competitivas (incluindo a de Melhor Filme), mais uma honorária.

Para a sua consideração

Qualificar um longa para o Oscar é apenas o primeiro passo. É importante que os eleitores da premiação (que são os 9.487 membros da Academia) saibam que aquela produção existe e, em um segundo momento, acreditem que ela merece o voto. Afinal, estamos falando de alguma centenas de lançamentos que poderiam aparecer, de uma forma ou de outra, na premiação.

O caminho mais habitual para isso é por meio das campanhas de “For your consideration”, “Para a sua consideração”, em português. Por meio delas, os estúdios apresentam suas apostas para o Oscar (e outras premiações) e promovem exibições específicas para os eleitores ou enviam DVDs, Blu-rays e links de streaming para que eles também possam assistir de casa. 

São feitos anúncios em importantes veículos do trade de cinema nos EUA, como Variety e The Hollywood Reporter, além do envio de malas diretas, criação de sites, brindes e muito mais. Não há compra de votos, inclusive por uma questão prática: a eleição é secreta, o que não permitiria “conferir a entrega”, digamos assim. 

A Warner Bros. fez um anúncio de capa na Variety para promover 'Nasce Uma Estrela' durante a temporada de premiações de 2019 (crédito: reprodução / Variety)
A Warner Bros. fez um anúncio de capa na Variety para promover ‘Nasce Uma Estrela’ durante a temporada de premiações de 2019 (crédito: reprodução / Variety)

Quanto maior a aposta e a verba, maior a campanha. De acordo com a Forbes, a Netflix gastou US$ 30 milhões (R$ 167 milhões) com essa divulgação para ‘Roma’, em 2019. Agora em 2022, essa máquina financeira trouxe nada menos que 27 indicações para dez títulos. Em 2021, quando a pandemia bateu mais forte, foi ainda mais: 37 indicações (ou 40, considerando a distribuição fora dos EUA) – um recorde para a plataforma de streaming.

Na categoria principal, a de Melhor Filme, dois dos dez longas são da gigante do VOD: ‘Ataque dos Cães‘ e ‘Não Olhe Para Cima‘. No ano passado, a empresa fundada por Reed Hastings emplacou ‘Mank‘ e ‘Os 7 de Chicago‘ na mesma categoria.

Networking conta
até em Hollywood

O período ajuda: na época da janela de votação do Oscar acontecem diversas premiações paralelas, que vão desde o Globo de Ouro (organizado pela imprensa estrangeira em Hollywood) às cerimônias dos sindicatos dos atores, produtores e roteiristas. Além de ser um momento para encontrar inúmeros membros da Academia em um só lugar, algumas dessas premiações servem como uma espécie de “prévia” do Oscar, já que há uma certa convergência de parte dos eleitores.

O efeito Globo de Ouro

O Golden Globe Awards tem uma influência no Oscar. Ela não é exatamente uma prévia, como parte da imprensa costuma afirmar, mas digamos que – em um ano normal – ser indicado ou premiado na cerimônia que abre a temporada de premiações ajuda no boca a boca e no lobby dos estúdios entre os integrantes da Academia.

O eleitorado do Globo de Ouro é consideravelmente menor: são cerca de 90 jornalistas que fazem parte da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood – ou seja, profissionais de mídia de outros países que cobrem o cinema (e a TV) dos EUA. Além de ser mais fácil fazer a campanha de “For your consideration”, esses mesmos jornalistas têm acesso facilitado à coberturas, junkets e visitas ao set.

O diretor e produtor Sam Mendes, junto com a produtora Pippa Harris e os atores Dean-Charles Chapman e George MacKay, após '1917' ser escolhido como o melhor filme do Globo de Ouro 2020 (crédito: Instagram / @goldenglobes)
O diretor e produtor Sam Mendes, junto com a produtora Pippa Harris e os atores Dean-Charles Chapman e George MacKay, após ‘1917’ ser escolhido como o melhor filme do Globo de Ouro 2020 (crédito: Instagram / @goldenglobes)

Isso não quer dizer que o vencedor de um prêmio irá levar o outro, até por diferenças nos métodos de votação. ‘As Aventuras de Tintim’, vencedor do Globo de Ouro de Melhor Animação em Longa Metragem em 2012, nem indicado ao Oscar foi. Em 2018, a imprensa definiu que o melhor drama era ‘Três Anúncios Para um Crime’, enquanto a Academia preferiu ‘A Forma da Água’. 

Para 2022, o efeito da premiação deve se diluir um pouco mais. É que, após diversas críticas ao prêmio, acusações de tráfego de influência e da falta de diversidade na associação organizadora, o Globo de Ouro acabou sem transmissão na TV – o que diminui a sua influência.

A política

O Oscar é, sim, uma premiação política. O lobby e o já citado corpo a corpo são importantes, tal qual em qualquer eleição. Outro ponto importante é o relacionamento de longa data entre os membros da Academia: é mais fácil um ator amigo do Leonardo DiCaprio assistir ao novo filme do astro, e até levar em consideração essa amizade na hora do voto, do que fazer o mesmo por um novato com poucos contatos. 

Da mesma forma que você, em algum momento da vida, votou naquele seu amigo ou vizinho na eleição para vereador. 

A própria dinâmica para a escolha dos indicados ajuda nisso. Como explicamos em um artigo anterior desta série, o sistema de Voto Único Transferível tende a ajudar aqueles que possuem um grupo, ainda que pequeno, de eleitores fervorosos, colocando o indicado em potencial como o primeiro na lista de cinco votos na categoria. 

É por isso, por exemplo, que alguns atores tendem a ser indicados muitas vezes, enquanto outros são ignorados pela Academia mesmo quando estão em papéis elogiadíssimos pela crítica.

O republicano Schwarzenegger na San Diego Comic-Con de 2019, quando aproveitou o evento para fazer críticas ao governo Trump (crédito: Renan Martins Frade)
O republicano Schwarzenegger na San Diego Comic-Con de 2019, quando aproveitou o evento para fazer críticas ao governo Trump (crédito: Renan Martins Frade)

A balança político-partidária é outro ponto que pode influenciar na votação. Não que os membros da Academia sejam todos descolados e diversos – em 2012, uma pesquisa indicou que um eleitor médio do Oscar era um homem branco de 63 anos. Por outro lado, Hollywood (principalmente por meio de atores e diretores, que são mais vocais) é conhecida por ser liberal, no sentido político do termo.

Ainda que seja um movimento mais relacionado ao Partido Democrata dos EUA, há espaço entre os republicanos: este é o caso de Arnold Schwarzenegger (que se diz “progressista com o meio ambiente, liberal com a sociedade e conservador com a economia”).

É bom lembrar também que Ronald Reagan, famoso ator e que teve papel importante na liderança sindical em Hollywood, foi eleito presidente do país pelo Partido Republicano – e se tornou uma das mais influentes vozes do conservadorismo moderno. Charlton Heston foi outro republicano fervoroso na segunda metade de sua vida, inclusive defensor do porte de armas.

Mesmo Walt Disney, o maior vencedor da história do Oscar, com 22 estatuetas, era republicano e conservador. Na época do Macarthismo, ele testemunhou contra o que ele acreditava ser o “crescimento do comunismo” e se tornou informante do FBI.

Ou seja, não é tão fácil rotulá-los.

Já começam a aparecer
os reflexos do
#OscarsSoWhite

Vale dizer que a organização da premiação tem, desde o surgimento de campanhas como #OscarsSoWhite, se empenhado em convidar novos membros que ampliem a diversidade, mas o impacto disso ainda está no começo.

É por isso que o Academy Awards foi criticado pela falta de diversidade entre os indicados de 2020 – porém, na premiação, consagraram o sul-coreano ‘Parasita‘ como o melhor filme. Em 2021 a lista de indicados mostrou uma evolução nesse sentido, com várias “primeiras vezes” para a premiação.

Já para 2022 temos ‘No Ritmo do Amor‘, na primeira indicação na categoria principal de um filme com elenco formado em sua maioria por portadores de surdez – inclusive com Troy Kotsur sendo o primeiro deficiente auditivo a ser indicado na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. Além disso, ‘Ataque dos Cães‘ é o primeiro longa dirigido por uma mulher (Jane Campion) a ter mais de dez indicações na premiação.

Claro que algumas causas podem, sim, influenciar nos votos. Mesmo que o iraniano ‘O Apartamento’ seja ótimo e realmente merecesse a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro em 2017, o fato do então presidente Donald Trump ter proibido a entrada de cidadãos de sete países (incluindo o Irã) nos EUA pouco antes do Oscar teve o seu impacto. 

Oscar 2021; 'Dois Estranhos' ecoa campanhas como a do #BlackLivesMatter (crédito: divulgação / Netflix)
‘Dois Estranhos’, indicado em 2021, ecoa movimentos como o do #BlackLivesMatter (crédito: divulgação / Netflix)

De qualquer forma, é bom ressaltar que o fim da Era Trump e a eleição de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos deram uma boa arrefecida no sentimento político-partidário em Hollywood. A indústria do cinema local ainda aparenta estar em lua de mel com o novo mandatário, evitando assim, neste ano, votos pautados pela disputa entre Republicanos e Democratas.

Por outro lado, o Oscar de Melhor Filme para ‘Nomadland‘ em 20221 (assim como a vitória, em 2022, de ‘Parasita’) revelam sentimentos políticos mais amplos entre os eleitores do Oscar.

Oscar bait

Um assunto bem polêmico é o chamado “Oscar bait”, que, em tradução literal, é uma “isca” para encantar os membros da Academia e ser bem-sucedido na premiação, mas sem necessariamente se ater a outros quesitos que são pouco levados em conta. 

Além de lançar o longa em circuito limitado no final do ano, esperando que a indicação ao Academy Awards no ano seguinte impulsione o lançamento pra valer, normalmente esses filmes usam elementos em comum, como enredos de guerra, históricos, biográficos, sobre intrigas políticas ou o show business. Também trazem elencos com inúmeros atores famosos e bem-relacionados em Hollywood, sendo alguns já indicados inúmeras vezes previamente – como Meryl Streep, Al Pacino, Cate Blanchett ou Denzel Washington. 

'O Discurso do Rei': Oscar bait? (crédito: reprodução / Paris Filmes)
‘O Discurso do Rei’: Oscar bait? (crédito: reprodução / Paris Filmes)

Os irmãos Weinstein eram reconhecidos por, se não usar a estratégia de forma ampla, ao menos de ser aproveitar de elementos dela para serem bem-sucedidos. Eles produziram, por exemplo, ‘Shakespeare Apaixonado’ e, pela produtora The Weinstein Company, ‘O Discurso do Rei’ – ambos títulos que, na visão de alguns críticos, foram iscas para a Academia. 

O caso do longa-metragem estrelado por Colin Firth, inclusive, tinha uma previsão de receita global nos cinemas de US$ 30 milhões. Depois das 12 indicações ao Oscar, a estimativa saltou para US$ 200 milhões. Com quatro estatuetas na conta (incluindo a de Melhor Filme), o longa alcançou a cifra de US$ 427 milhões. É uma estratégia que vale a pena, financeiramente falando.

Filme para o Oscar
ou Oscar para o filme?

Apesar das críticas de muitos contra a estratégia, fica difícil apontar onde termina a linha tênue entre um filme que tinha potencial de Oscar e teve o seu lançamento programado para coincidir com uma possível indicação, ou um filme que foi propositalmente pensado para disputar a estatueta. Uma visão mais rígida poderia colocar ‘Mank’, indicado em 2021, como um Oscar bait, por exemplo: o filme trouxe inúmeros elementos que fazem parte da estratagema.

Porém, se olharmos com calma entre os indicados deste ano, parece que a estratégia vem perdendo força neste novo mundo do streaming. Agora, para ter uma maior certeza, é necessário aguardar o impacto no longo prazo.

Por tudo isso, nem sempre o melhor vence. Precisa também ser o mais bem relacionado, o mais bem planejado e com a melhor divulgação – e, quem sabe, contar com uma ajudinha da sorte e do noticiário para ganhar um impulso a mais. 

Matéria originalmente publicada em 7 de fevereiro de 2020 e atualizada com informações de 2022.

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