‘Pig’: Como a busca por uma porca se transforma em uma fábula sobre o luto
É interessante, e até mesmo um tanto provocador, como o cineasta Michael Sarnoski (da série ‘Olympia’) emula ‘John Wick‘ na base da narrativa de ‘Pig: A Vingança’. Afinal, o longa-metragem, que chega ao Telecine nesta secta-feira, 7, começa com Rob (Nicolas Cage), um homem comum que vê sua porca caçadora de trufas ser roubada à luz do dia.
Assim, logo de cara, qualquer pessoa que assistiu ao filme com Keanu Reeves vai somar dois mais dois e pensar: quando é que começa a pancadaria? Até mesmo o péssimo subtítulo brasileiro do filme indica que haverá vingança no processo. E o cinema, nos últimos anos, nos acostumou que violência é a resposta. ‘John Wick’, ‘Kill Bill‘, ‘Coringa‘.
Só que assim como David Lowery sacudiu os filmes de fantasmas em ‘Sombras da Vida‘ e histórias de cavaleiros medievais em ‘O Cavaleiro Verde‘, Sarnoski não deixa pedra sobre pedra quando pensamos em filmes sobre vingança. Rob é pacífico, até mesmo passivo.
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A violência não está no coração dessa busca, mas sim a memória e o passado.
Processo de luto em ‘Pig’
A partir disso, a história vai se desenrolando de uma maneira pouco usual. Rob começa a visitar pessoas que fizeram parte de seu passado para tentar descobrir quem sequestrou a porca e, principalmente, o que quer. Como Sancho Pança, o personagem de Alex Wolff surgem como a figura nas sombras que apoia o protagonista sem razão de ser. A grande sacada de ‘Pig: A Vingança’, porém, está no fato de que tudo não passa de uma fábula sobre o luto. Sem dar muitos detalhes para não estragar a experiência, Rob está passando por esse processo e a porca, de uma maneira similar ao que acontece com John Wick, serve como elo entre o personagem do presente com o que há no passado. Destruir esse elo, representando a figura narrativa de matar ou sumir com a porca, é também colocar ou acelerar esse processo de dor e sofrimento. O que há para além do luto, afinal de contas? Essa pergunta surge em formato de pânico no olhar de Cage. Ele não pode — ou não quer? — enfrentar o que está para além do fim desse longo processo. É aí que vem a grande provocação de Sarnoski em ‘Pig: A Vingança’: ele não acha que a violência é uma resposta natural ao rompimento do luto, mas sim mais sentimento, mais emoção. Rob, quando confrontado, mostra aos inimigos memórias. Uma cena específica, de memória gustativa, é forte. Uma memória vale mais do que um soco. Sarnoski, porém, não desdenha do luto de John Wick ao trazer essa narrativa desconstruída para o centro de sua história. Ele desdenha, na verdade, em como o luto é deixado de lado. Afinal, o personagem de Wolff e do pai servem, principalmente, para mostrar que um processo de luto nunca é o mesmo. Cada pessoa sofre de um jeito.
E ainda temos Nicolas Cage
A cereja do bolo de ‘Pig: A Vingança’ é a atuação certeira de Nicolas Cage. Astro muito desvalorizado nos últimos anos por conta de projetos furados, o ator entendeu completamente o que é o filme e o que é seu personagem. Não há tentativas de fazer algo fantasioso ou colocar firulas na dor de Rob: tudo é muito real e mundano; até mesmo a sujeira. Rob, afinal, não liga de sair andando por aí ensanguentado, sujo, maltrapilho. Ele precisa voltar ao seu luto. Por isso é tão importante uma sequência final, quando ele conversa com o personagem de Wolff e percebe o processo que passou ao procurar sua porca. Há afeição pelo animal, claro, mas há ainda mais preocupação com o que representa.
‘Pig: A Vingança’, assim, não tem nada de vingança de verdade. O longa-metragem é, na verdade, uma pérola sobre a redescoberta. Da vida, do sentimento, do dia que insiste em nascer lá fora. E qual o problema desse luto acontecer por meio de uma porca, de um sabor de comida, de um cheiro ou até mesmo, depois dessa experiência, de um filme?
Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.