Crítica de ‘Drácula: A Última Viagem do Demeter’: transformando um charco em um oceano
Não é preciso dizer que Drácula, o vampiro criado por Bram Stoker, é um dos monstros mais famosos, populares e explorados na cultura popular em geral. No cinema, pode-se dizer que já tudo foi feito, desde adaptações fiéis (e até não autorizadas) até comédias ácidas. Drácula: A Última Viagem do Demeter chega aos cinemas brasileiros em 24 de agosto para se juntar à longa lista.
O que trazer de novo ao mito do vampiro? Como sugere seu título, a resposta está em desmembrar um de seus elementos mais rasos e limitados para transformá-lo em um longa-metragem de duas horas. O filme pega o diário do capitão do Demeter, que é um trecho do romance de Stoker, e constrói um filme de terror em torno disso.
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O resultado, como costuma acontecer com esse tipo de experimento, é irregular. A execução é limitada por um conceito pequeno que é esticado ao máximo. Mas Drácula: A Última Viagem do Demeter também não complica onde importa: em ser um filme de monstros com momentos de terror muito eficazes.
Spoiler: todos morrem
Primeiro, vamos ao difícil. E não, na verdade não é um spoiler: qualquer pessoa com um conhecimento vago sobre Drácula sabe que nenhum dos tripulantes do Demeter sobreviveu para contar seu encontro com o vampiro. Ou talvez sim, com um pouco de engenhosidade retroativa. Mas as probabilidades nunca foram gentis com eles. Drácula: A Última Viagem do Demeter estabelece isso desde o início, começando a história nos destroços da embarcação na costa inglesa, antes de dar um salto um mês atrás no tempo. Então conhecemos Clemens (Corey Hawkins, A Tragédia de Macbeth), um médico preso na Romênia que, depois de salvar a vida do neto do capitão do Demeter, Elliot (Liam Cunningham, Game of Thrones), aceita um emprego no navio como uma maneira de voltar para Londres. A bordo, como sabemos, também viajarão as caixas de terra que abrigam o vampiro.
Desde sua concepção, a história idealizada por Bragi Schut Jr. há duas décadas (com influência admitida de Alien, de Ridley Scott) enfrenta o problema de uma mitologia muito bem delimitada. A margem de manobra para inovar e surpreender na narrativa é pequena, se não nula. Todos nós conhecemos o desfecho: quando o Demeter alcançar a costa da Inglaterra, todos os tripulantes devem estar mortos. Isso, somado aos aspectos mais estabelecidos de Drácula (sua fraqueza à luz, sua necessidade de estar perto da terra transilvânia), torna o assunto repetitivo. Assim como Clemens questiona o sentido do mundo, então caberia a nós, como espectadores, questionar qual é o sentido desse experimento. Talvez valha a pena ouvir a resposta do capitão Elliot: “o mundo não se importa com o sentido. Talvez seja melhor aceitar as coisas e apenas experimentá-las”.
Drácula: A Última Viagem do Demeter é um filme de monstros
Dito o anterior, a produção encontra um aliado no cineasta norueguês André Øvredal (de Histórias Assustadoras para Contar no Escuro), cuja direção consegue criar uma atmosfera de constante tensão e medo entre os tripulantes, primeiro desconcertados pelos incidentes estranhos e depois desesperados ao se verem aprisionados com seu carrasco. O diretor cai em alguns clichês: figuras que se escondem na neblina ou nas sombras, ou panorâmicas lentas que antecipam o susto. No entanto, Øvredal sabe dosear o suspense com trabalhos meticulosos de fotografia e edição.
E embora os assassinatos não se destaquem pela originalidade (todos sabemos que as mordidas são obrigatórias), o diretor opta por uma abordagem direta e quase implacável da violência brutal. Ainda que por causa disso, além de seu design, o monstro principal acaba paradoxalmente reduzido a uma fera selvagem, essa brutalidade é um elemento crucial da atmosfera ameaçadora e sufocante. Portanto, como diria o capitão, trata-se mais de aproveitar a viagem. Drácula: A Última Viagem do Demeter não consegue contribuir muito para a mitologia de Drácula, e é limitado por ela. Mas tem sucesso em um aspecto: transformar o vampiro titular em um espetacular monstro de cinema.
Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.