Crítica de ‘The Flash’: filme empolga, porém termina com pouca substância
'The Flash' tem uma boa largada, mas perde o ritmo no meio e encerra a corrida com uma medalha de honra ao mérito. Confira a crítica.
Depois de anos e anos em produção, e os mais variados problemas em seu percurso, finalmente estreia nos cinemas nesta quinta-feira, dia 15 de junho, The Flash, dirigido por Andy Muschietti (das adaptações de It - A Coisa, de Stephen King).
É um filme divertido e interessante, entregando finalmente o que os fãs esperavam do herói no cinema, mas por outro lado suas dificuldades na produção transparecem, e fica claro que é um filme chegando às telas com muito atraso, já quase soando um pouco datado. Seu problema principal é um tom inconsistente que nos confunde em relação às qualidades da obra. O texto a seguir contém spoilers, leia por sua conta e risco.
Qual é a história de The Flash?
A narrativa –adaptação do Flashpoint dos quadrinhos– acompanha Barry Allen (Ezra Miller, de Precisamos Falar Sobre o Kevin) pouco antes de uma reavaliação do julgamento de seu pai, preso injustamente anos antes pelo assassinato de sua mãe. Entre atos heróicos e a audição na corte, acidentalmente o herói percebe que ao correr rápido o suficiente é capaz de voltar no tempo. Ele compartilha a descoberta com Bruce Wayne (Ben Affleck, de Garota Exemplar), que prontamente o adverte para não o fazer. Porém, diante ao resultado negativo do tribunal, Barry se convence que poderia voltar no tempo sem causar danos ao presente e de quebra salvar os pais.
Ele faz isso e claramente no percurso as coisas dão errado. Assim, Barry se encontra preso no passado e sem seus poderes. A partir daí ele se encontra, recria o acidente com sua versão mais nova para ganhar poderes, vai atrás de um Batman velho e aposentado (Michael Keaton, dos filmes do Tim Burton), e descobre que ao voltar para o passado ele altera sua linha do tempo completamente.
Bom começo e efeitos bizarros
O início do The Flash é empolgante, consistente com o que já havíamos visto do herói anteriormente. Uma brincadeira com a cartela do título e uma cena tão bizarra quanto cômica estabelecem o tom do longa: enquanto o velocista está quase definhando de fome, ele precisa socorrer bebês caindo do alto de um prédio hospitalar, em meio a bisturis, ácido e objetos inflamáveis. É notável a qualidade questionável dos efeitos especiais desses bebês, que na verdade contribuem para estabelecer o tom do longa. Os efeitos de qualidade duvidosa prevalecem durante o filme, marcando presença nas cenas de viagem temporal, com sequências caleidoscópicas e cabeças flutuantes.
Tudo isso é válido no entanto, e não incomoda ou prejudica a experiência. O ponto que os efeitos especiais de fato tem uma virada, e passam de esquisitos para apenas objetivamente ruins, é quando Flash e os mocinhos vão confrontar o General Zod (Michael Shannon reprisando o papel de O Homem de Aço). A cena se estabelece em um grande campo aberto, que aparenta ser muito mais vazio do que deveria estar. Toda a imagem tem uma aparência meio borrada, como se estivéssemos assistindo um gráfico de videogame antigo, e a cena toda tem uma textura apagada, sem brilho, sem vida.
Macarronada interdimensional
Desde que foi divulgado o enredo, The Flash foi apresentado como o filme que introduziria o conceito de multiverso nos filmes da DC, entrando em cena como um concorrente direto a Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, ou Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, da Marvel.
O longa faz isso entregando uma nova teoria de multiverso, que consegue se diferenciar um tanto do MCU: como explica o Bruce Wayne de Michael Keaton enquanto serve um prato de macarrão, interferências na linha temporal não criam apenas um novo futuro, mas sim uma nova linha completa, com um passado diferenciado também. As linhas se cruzam em pontos de intercorrência inevitáveis, mas podem ser tão similares quanto diferentes entre si, de modo completamente aleatório. Os pontos de intercorrência seriam no caso os eventos canônicos.
Na conclusão da história, Barry percebe que ao alterar o cânone, definiu um final inevitável para aquela linha do tempo, onde a Terra não consegue de nenhuma maneira sobreviver à invasão de Zod.
O conceito ainda é um pouco confuso, pois mistura viagem no tempo com interdimensionalidade, coisas que são estabelecidas separadamente no Universo Cinematográfico Marvel (MCU). Mas ainda assim é curioso por ser uma ideia nova, deixando expectativas de um maior desenvolvimento futuro desse conceito de multiversos, e de como ele será empregado, afinal e muito provavelmente, para dar o ponto de partida para o novo DCU, nas mãos de James Gunn como um soft reboot.
Expectativas e realidade
The Flash teve o azar de ser lançado em um momento que o conceito de multiverso já vem sendo explorado em adaptações de quadrinhos, o que inevitavelmente gera comparações e expectativas. A primeira de todas, talvez, seria que nesse filme teríamos com os Batmans algo similar às interações de Sem Volta Para Casa, que felizmente não foi a escolha.
Em vez de termos versões do Batman em tela ao mesmo tempo, uma sai para dar lugar a outra, e podemos aproveitar Michael Keaton em seu clássico papel sem perder o foco, e inclusive entregando muita química ainda com a personalidade do Homem Morcego.
Os cameos também obviamente eram esperados, sabíamos que teríamos Keaton e Affleck, mas quem mais estaria no filme? O que o público iria receber? A resposta é que o filme entrega, sim, doses de fanservice, mas de uma forma até moderada.
BatKeaton e tudo que envolve seu personagem é o maior deles, mas ele entra para desenvolver a história de The Flash e tem um papel importante, não se limita apenas a agradar o público e fazer sala. As outras de modo geral são mais discretas, sem roubar muito a atenção ou o tempo de tela. Dito isso, para o final do filme temos duas participações que devem fazer o público perder a cabeça.
Quanto a Ezra Miller, com tanta polêmica envolvendo seu nome, era uma surpresa como seria seu protagonismo. Com muitas ressalvas, fazendo um grande esforço para separar o ator da pessoa, não podemos deixar de dizer que a atuação dele se destaca, ainda mais em dose dupla.
Barry Allen é bem construído, completamente esquisito e com um arco emocional simples, porém eficiente. O personagem é irritante, diga-se de passagem, mas quando ele está contracenando com a versão mais nova dele mesmo, que é REALMENTE insuportável, o Barry original até passa a ser agradável, e ele acerta em cheio na interpretação, com algumas das cenas onde ele contracena consigo mesmo sendo as melhores do filme.
Considerações finais
The Flash é um filme divertido, uma aventura empolgante conduzida por boas interpretações e personagens com química entre si.
O ritmo é um tanto capenga, começa muito bem, dosado de humor e uma narrativa engajante, mas lá pela metade acaba perdendo muito a força em suas situações, e o tom passa a variar entre o cômico, dinâmico e sagaz para cenas muito mais dramáticas e sérias do que você esperaria, para ficar num clímax que não carrega muita força, principalmente por suas escolhas criativas. Ainda assim, definitivamente é melhor do que grande parte das produções da última fase do MCU.
Qual é seu problema, então?
O maior problema que a história do velocista enfrenta, é que no saldo final ele não aparenta ter construído qualquer coisa para o personagem, e sim um pretexto para os próximos desenvolvimentos da DC nos cinemas. O filme termina praticamente onde começa, e toda sua narrativa é basicamente descartável. É uma história despretensiosa, mas que não oferece muito a mitologia do personagem, e não tem um senso de perigo forte.
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Além disso, é difícil desconsiderar que o filme passou anos em produção, e que com um orçamento de mais de U$ 200 milhões, entregue efeitos especiais que aparentem ser tão inacabados.
Seu maior azar, porém, é ter sido lançado apenas duas semanas depois de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, filme aclamadíssimo que coincidentemente, trata praticamente os mesmos temas de The Flash: interdimensionalidade e os eventos considerados parte do "canon", ou seja, que sempre devem estar inclusos na história, principalmente quando essa parte de Aranhaverso é bem mais aprofundada e melhor resolvida.
Se você vai assistir apenas um filme de herói esta temporada, assista Aranhaverso. Se você quer dar uma chance para outro e se divertir de forma despretensiosa, vale a pena ver The Flash
The Flash chega aos cinemas nesta quinta-feira, 15. Clique aqui para comprar ingressos.
Miguel Possebon é formado em Comunicação Audiovisual pelo Centro Universitário SENAC-SP em 2021. Participou em vários projetos audiovisuais independentes em set e pós-produção, mas como apaixonado por cinema realmente gosta de trabalhar com conteúdo. No Filmelier faz curadoria, programação de conteúdo e é assistente de redação.
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