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‘Nossa Senhora do Nilo’ fala sobre o massacre de Ruanda para pensar no presente

A história do genocídio em Ruanda é uma das partes mais obscuras, tristes e alarmantes do século XX, ainda que pouquíssimo comentada. Esse crime, que vitimou mais de 800 mil pessoas da etnia tutsi, deveria ser mais estudado, debatido, comentado. Entender a História, afinal, ajuda a impedir que os mesmos erros sejam cometidos. Por isso é tão louvável um filme como ‘Nossa Senhora do Nilo‘, que chega aos cinemas brasileiros já nesta quinta-feira, 5.

Dirigido pelo franco-afegão Atiq Rahimi (‘A Pedra da Paciência’) e inspirado no livro homônimo da sobrevivente Scholastique Mukasonga, o longa-metragem tem uma história simples e direta: contar a jornada de um grupo de garotas vivendo em uma escola religiosa de Ruanda pouco antes do massacre. Ali, naquele microcosmos, o Ovo da Serpente está sendo chocado. Tutsis e hutus começam, neste momento, a se enxergarem como verdadeiros rivais.

A calmaria antecede o caos, a violência e o horror em ‘Nossa Senhora do Nilo’ (Crédito: Pandora Filmes)
Rahimi imprime, nessa história, toda a tensão que viveu Ruanda neste momento sangrento. Afinal, o que pode ser mais tenso do que não ter segurança no ambiente escolar, no banal, no cotidiano? Ainda mais pelos olhos de uma das sobreviventes, autora do livro. “Essa proposta de adaptar o livro caiu muito bem. Ela veio de encontro com um desejo que eu já tinha de fazer um filme na África e, sobretudo, em Ruanda”, explica Rahimi em entrevista ao Filmelier.

Rahimi e a história de Ruanda

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Atiq conta que desde 2008 não consegue mais voltar ao Afeganistão, seu próprio país, para rodar filmes por conta da guerra que acontece ali — ‘A Pedra da Paciência’, filme de 2012 sobre uma afegã, teve suas cenas rodadas na Europa. Desde então, Rahimi segue por dois caminhos: busca histórias de outros países para contar, não se limitando mais ao que acontece dentro do Afeganistão, e também tenta entender como seu país chegou neste complicado estado. “Aproveito para me questionar sobre meu próprio país. O que causa tanta guerra, tanta violência, tanto ódio? Queria entender a história de outros países para entender se o povo afegão é tão diferente dos outros”, explica. “Em 1994, quando aconteceu o genocídio em Ruanda, havia também uma guerra civil no Afeganistão e na Iugoslávia. Essas três guerras estão sempre presentes no meu espírito. Entendi como ocorre a violência em um país, em um povo”.
Segundo ele, já havia um conhecimento prévio dessa história do massacre de Ruanda. Não só apenas lendo o livro de Scholastique Mukasonga, mas também compreendo profundamente os motivos e as consequências dessa história. “Por meio do livro, a gente já percebe como a religião vai criar esse desentendimento, esse ódio. Eu reconhecia conflitos similares que aconteceram no meu país, no Afeganistão. Era só trocar o nome dos participantes e teríamos o mesmo quadro”, diz. “O que me chama a atenção é que no Afeganistão essa guerra não acaba nunca, enquanto em Ruanda, depois de um milhão de pessoas mortas, estão todos vivendo em paz. É uma coisa que me interpela”.

‘Nossa Senhora do Nilo’ e o mecanismo de violência

Diferente de filmes como ‘Hotel Ruanda’ e ‘Tensão em Ruanda’, que focam mais na ação e na tensão que nasce desse massacre, ‘Nossa Senhora do Nilo’ busca entender as bases do genocídio. Rahimi se pergunta: o que originou isso?
O nariz da Nossa Senhora do Nilo é um dos pontos de discussão entre as personagens (Crédito: Pandora Filmes)
“A importância que eu descubro é entender o mecanismo da violência, onde a política, a religião, o colonialismo e o racismo se intrometem”, explica o diretor, na entrevista com o Filmelier, explicando suas motivações e a importância de ‘Nossa Senhora do Nilo’. “Isso tudo nos leva para uma catástrofe. É um olhar sobre esse mecanismo de barbárie”. E o que ele espera com o lançamento no Brasil? Afinal, o país já traduziu todos seus livros e ele já esteve aqui antes, para lançar seu primeiro filme, ‘Terra e Cinzas’. Será que podemos encontrar importância desse massacre também em nossa história? Rahimi mostra sua visão. “Eu vejo que, no Brasil, o colonialismo não é mais uma questão. Mas temos a questão da política corrompida e da religião. Então, essa identificação com essas questões acaba me tocando e são questões que eu levo como emblemáticas para mim. São minhas convicções, coisas contra as quais eu luto”.

Onde assistir a ‘Nossa Senhora do Nilo’?

‘Nossa Senhora do Nilo’ estreia exclusivamente nos cinemas nesta quinta-feira, 5. Clique aqui para comprar ingressos. Abaixo, confira a sinopse oficial do filme
Ruanda, 1973. Num colégio interno católico de prestígio, garotas adolescentes são preparadas para a vida adulta de elite. Elas compartilham o quarto, os sonhos e as preocupações. Exibido no Festival de Berlim 2020.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

Escrito por
Matheus Mans

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