Grandes filmes brasileiros modernos

Separe um lenço antes de assistir a este drama histórico que levou o Prêmio do Júri na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes. Dezessete anos depois de dirigir ‘Madame Satã’, Karim Ainuz volta ao Rio de Janeiro do meio do século XX, dessa vez contando a história de duas irmãs, Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), que são separadas por pais conservadores uma sem saber do paradeiro da outra. Enquanto elas tentam se reencontrar, precisam continuar com suas vidas lidando com o machismo e conservadorismo inerentes à sociedade brasileira. O ponto alto do filme é a emocionante atuação das jovens atrizes, assim como a trilha sonora original composta pelo alemão Benedikt Schiefer, a direção de arte atenciosa de Rodrigo Martirena e a fotografia da francesa Hélène Louvart (que, vale lembrar, assina o também elogiado ‘Lazzaro Felice’). Ainda que curta, destaca-se a incrível participação da dama do cinema brasileiro, Fernanda Montenegro. Por tudo isso, não é à toa que ‘A Vida Invisível’ foi escolhido para representar o Brasil no Oscar 2020.

‘Bacurau’ filme é, sem dúvida alguma, um dos mais únicos, peculiares e interessantes longas-metragens do cinema brasileiro nos últimos anos. Os diretores Kléber Mendonça Filho (‘Aquarius’) e Juliano Dornelles misturam o zeitgeist atual com a mais pura cultura do nordeste do Brasil e ainda adicionam pitadas (de sangue) do cinema de Quentin Tarantino e de Glauber Rocha. O resultado é justamente uma espécie de catarse do espírito de nossa época, com muita crítica social e política. Sem caminhos ou respostas fáceis, o longa-metragem expõe feridas abertas. Não é por menos que ‘Bacurau’ foi aplaudido de pé no Festival de Cannes, onde recebeu o Prêmio do Júri.

A morte pode vir a qualquer instante. Sem pedir licença, sem fazer planos. O que ficam são os pensamentos, os planos incompletos, a vida interrompida. ‘Arábia’ usa isso como ponto de partida para um verdadeiro estudo de personagem, o de um homem jovem, comum, operário, como milhões de outros. Um brasileiro que viveu uma vida sem perspectiva. Muito bem dirigido por João Dumans e Affonso Uchoa, este é um daqueles filmes que nos envolve e nos toca. O roteiro recorre muito às narrações em off, mas, neste caso, não é uma deficiência, mas sim um interessante formato para dar voz para quem não está mais entre nós.

A vida numa rua de classe-média na zona sul do Recife toma um rumo inesperado após a chegada de uma milícia. Ao mesmo tempo em que alguns comemoram a tranquilidade, outros passam por momentos de extrema tensão. Um filme sobre o som, mas também um filme sobre nossos comodismos e sobre a atual classe média brasileira. Ao final, não mudamos muito desde a época do coronelismo.

Thriller psicológico que acompanha os dias de uma jornalista aposentada defendendo o apartamento, onde viveu toda a vida, do assédio de uma construtora. O plano é demolir o edifício Aquarius e dar lugar a um grande empreendimento. Um retrato cru e direto da atual sociedade brasileira, indo da sexualidade à especulação imobiliária. Destaque para a atuação de Sonia Braga. Um filme que merece ser visto.

Diogo é um adolescente que tem o estranho fetiche de ligar para as pacientes de sua mãe, que é terapeuta. Um dia liga para uma mulher solteira de 43 anos, com quem inicia uma inesperada relação que acaba se concretizando na vida real. Premiado como Melhor Filme e Melhor Atriz (para Karine Teles) no Festival do Rio, ‘Fala Comigo’ não foge de temas polêmicos como o relacionamento entre pessoas uma grande diferença de idade, fetiche, depressão e suicídio. Ao final, é um drama sobre crescimento e as dificuldades desse processo.

Baseado na história real do ator Arlindo Barreto, que interpretou o palhaço Bozo nas manhãs do SBT nos anos 1980. Mesmo que impossibilitado de usar o personagem e as emissoras de TV reais, a produção assinada por Daniel Rezende consegue capturar o espírito daquela época. Destaque também para a atuação de Vladimir Brichta no papel do protagonista. É, certamente, um dos melhores filmes brasileiros de 2017.

Recife, 1978. Clécio é o líder da trupe teatral Chão de Estrelas. Um dia Paulete, a estrela do show, recebe a visita de seu cunhado. O rapaz, militar, se encanta pelo universo do grupo e é seduzido por Clécio. E precisa lidar com a repressão no meio militar em plena ditadura. Vencedor de diversos prêmios e selecionado em festivais como Gramado, Havana e Rio, ‘Tatuagem’ provoca ao misturar assuntos inicialmente completamente diferentes – homossexualidade, exército, ditadura militar brasileira e teatro – em uma história de amor que rompe com conceitos pré-estabelecidos. Com um elenco afinado e bem dirigido, este é um daqueles filmes que nos leva em seus dramas e romances, além de ser uma temática importante nos dias atuais.

Este suspense brasileiro traz um elenco de nomes conhecidos, como Murilo Benício, Camila Morgado e Humberto Carrão. A história é uma grande metáfora sobre a situação atual do Brasil, as diferenças entre classes e gêneros, no turbilhão de emoções que tem marcado a nossa sociedade. Isso tudo sem deixar de ser uma obra tensa, com um roteiro que fisga a nossa atenção. A direção leva a assinatura de Gabriela Amaral, em seu primeiro longa-metragem – um trabalho que merece elogios.

João Guilherme Estrella era um típico jovem da classe média. Com espírito aventureiro e boêmio, mergulhou em todas as loucuras permitidas e não permitidas. No início dos anos 90, se tornou o rei do tráfico de drogas da Zona Sul do Rio de Janeiro. Investigado pela polícia, foi preso e seu nome chegou às capas dos jornais. Em vez de festas, passou a frequentar o banco dos réus. Ótimo roteiro e um bom ritmo, contando uma história sobre drogas, poder e abuso que é muito próxima de todos nós.

Um filme afetivo sobre família, as dificuldades da vida e oportunidades – tudo pela perspectiva da mãe, brilhantemente interpretada por Karine Teles (‘Riscado’ e ‘Fala Comigo’). Destaque para o ótimo roteiro, que nos envolve com carisma enquanto nos leva pelos problemas do dia a dia dos brasileiros.

Um rapaz gay e migrante tenta equilibrar seu cotidiano entre o trabalho e encontros casuais com outros homens, explorando um novo universo a cada parceiro. Um filme sobre ser jovem, solteiro e gay na sociedade brasileira atual, que foge de estereótipos para narrar a história de amadurecimento de um costureiro, ansioso pela chegada do verão. Produção nacional, foi selecionado pelo Festival de Cinema de Rotterdam.

Inconformada com o tratamento de esquizofrênicos à base de eletrochoques e lobotomia, Nise revolucionou o atendimento psiquiátrico. Seu método obteve reconhecimento internacional. Existem inúmeras histórias pouco conhecidas, que ajudaram no avanço do conhecimento humano. Este filme explora uma delas, a da Dra. Nise da Silveira, que mudou a psiquiatria brasileira e mundial ao humanizar a relação com os pacientes. Um drama para quem gosta de história comoventes, ou quer conhecer um pouco mais da evolução da medicina no Brasil.

O filme traz um retrato delicado sobre a realidade brasileira – colocando o preconceito e exclusão social em pauta. A diretora e roteirista Anna Muylaert constrói uma boa história com três fortes presenças femininas. Grande destaque também para a atuação de Regina Casé, que foi elogiadíssima pela crítica, o que rendeu a ela o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Berlim.

Nos bastidores das Vaquejadas, Iremar vive um cotidiano intenso e visceral, mas novas inspirações surgem com a recente industrialização e o polo de confecção de roupas no semi-árido nordestino. Deitado em sua rede na traseira do caminhão, ele sonha em tornar-se estilista. Um road movie dramático que nos convida a pensar sobre os estereótipos de gênero da sociedade. Contando a história de um vaqueiro que sonha tornar-se estilista, subverte o clichê do 'machão nordestino' enquanto oferece um profundo estudo de personagem, potencializado pela atuação cativante e carismática de Juliano Cazarré. Grande vencedor do Festival do Rio de Janeiro em 2015, fez parte da seleção do Festival de Toronto.

‘Divino Amor’ é uma inteligente crítica ao crescimento do conservadorismo na sociedade brasileira, apontando um exagerado futuro próximo – com pitadas de sci-fi, ao estilo ‘Black Mirror’ – como metáfora para pautar questões na sociedade atual. Surpreendentemente erótico, o longa-metragem também é contestador e nos faz refletir, independente se concordamos ou discordamos da visão proposta. Com uma bela fotografia carregada de neon assinada por Diego Garcia (de ‘Boi Neon’, também dirigido por Gabriel Mascaro) e uma ótima atuação de Dira Paes (‘Dois Filhos de Francisco’), o longa foi destaque em festivais de todo o mundo, incluindo Sundance e Berlim.

Anos 60, Brasil. Por meio do olhar de um garoto de 12 anos, acompanhamos a trajetória de Antônio, um idealista sonhador. O desejo de ascensão social leva toda a família a se mudar para a recém-inaugurada cidade de Brasília, onde ele se aproxima do ativismo e da luta dos trabalhadores. Em abril de 1964, da noite para o dia, os sonhos se transformam em pesadelos. Uma história emotiva sobre um Brasil dividido, que parece se repetir nos dias de hoje. Há inconsistências e um flerte com o melodrama, mas o resultado geral é um interessante retrato de uma época – escolhido como o Melhor Filme pelo júri popular do Festival de Gramado.

Ao voltar para cuidar da mãe doente, um homem reencontra seu distante pai, que ainda é dono de um drive-in prestes a ser demolido. Este drama traz uma tocante história sobre um mergulho no passado para a construção de um futuro. Funcionando também como um espécie de homenagem a um formato em extinção de se apreciar cinema, deve agradar cinéfilos em busca de histórias de tom realista e melancólico. Destaque para a atuação do lendário Othon Bastos e Fernanda Rocha, vencedora do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival do Rio de Janeiro, em 2014.

Um jovem decide retornar a sua cidade natal. Ao chegar, ele descobre que seu pai voltou para França. Logo, ele se vê em meio aos conflitos e inexperiências juvenis. Poético, de visual apaixonante e repleto de personagens cativantes e profundos, esse filme de Selton Mello é um estudo sobre o amadurecimento que vem com os primeiros amores, primeiras decepções e, de certa forma, com os primeiros filmes. Uma carta de amor à vida e ao cinema, com um grande elenco composto pelo próprio Selton, o astro internacional Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer e Johnny Massaro.

Uma jornada pelos limites do desejo, das mentiras e da maldade em um triângulo amoroso, desvendados a partir do desaparecimento de uma criança. Um drama recheado de suspense e embalado pelas atuações memoráveis de Leandra Leal e Milhem Cortaz, 'O Lobo Atrás da Porta' é um dos mais aclamados exemplares recentes da alta qualidade do cinema brasileiro. Uma história contada de forma não linear sobre luxúria, infidelidade e vingança. Seleção no SXSW e prêmios de Melhor Longa e Melhor Atriz (para Leandra Leal) no festival do Rio de Janeiro, em 2013.

Premiado em diversos festivais, esse terror nacional é carregado de poder feminino - com a rara ausência de homens atuando, divergindo do cinema tradicional. Tratando de gravidez, desejos da mulher e do sobrenatural, 'As Boas Maneiras' é uma das produções brasileiras mais surpreendentes dos últimos anos.

Preso, o cozinheiro nordestino Raimundo Nonato relembra sua trajetória pela gastronomia de São Paulo, assim como os insólitos eventos que o levaram à cadeia. Um filme de suspense que incorpora elementos de humor e drama na mesma medida, 'Estômago' apresenta sua história de forma não-linear, a recheando de surpresas que, para alguns, podem resultar na perda do apetite, mas garantem que o filme se destaque como algo único. Protagonista da história, João Miguel é irrepreensível. Não é à toa que faturou o prêmio de Melhor Ator na edição de 2007 do Festival do Rio.