É seguro voltar aos cinemas? Médicos e setor divergem É seguro voltar aos cinemas? Médicos e setor divergem

É seguro voltar aos cinemas? Médicos e setor divergem

Enquanto estúdios e exibidores planejam a retomada do setor, infectologista defende que a opção mais segura ainda é ficar em casa

1 de setembro de 2020 11:58
- Atualizado em 2 de setembro de 2020 12:18

Os cinemas estão fechados no Brasil desde março, devido a pandemia da covid-19. Ao longo dos meses foi especulado que a reabertura iria acontecer em meados de agosto, nas regiões onde há menor risco de contágio. No entanto, na cidade de São Paulo, por exemplo, eles seguem fechados e a nova projeção é que as salas voltem a abrir agora em setembro.

Com base nessa previsão, o Filmelier conversou com o infectologista pediátrico Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, e com a equipe do #JuntosPeloCinema – iniciativa que apoia o retorno seguro do público às salas de exibição, promove o Festival De Volta Para o Cinema e é formada por empresas como UCI, Universal Pictures, Paramount, Cinemark e Warner Bros. – para entender se é, na visão dos dois lados, segura essa retomada.

A equipe do projeto afirma que todas as medidas de segurança serão tomadas para garantir a segurança nos cinemas. No entanto, a opinião médica mostra que a maior prevenção no momento ainda é ficar em casa. Ainda nesse cenário, a reabertura do comércio já começou. Bares, restaurantes e academias estão funcionando em muitas cidades brasileiras, ainda que com capacidade limitada, e governos planejam a retomada das aulas presenciais.

O que indica o infectologista

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Ingresso.com, empresa que realiza a venda de entradas de cinema e que faz parte do grupo da americana Fandango, divulgou que darão todo o suporte para uma reabertura com toda a segurança possível, com o uso de ingressos digitais e outras ferramentas que evitam o contato humano. Segundo o médico Marcelo Otsuka, mesmo que o estabelecimento tome as devidas precauções, ficar preso a um ambiente pequeno e fechado pode ser perigoso.

“Vai ter o totem para leitura, vai ser tudo online, de repente, os alimentos embalados em uma embalagem estéril, tudo isso eventualmente poderia facilitar [a prevenção], mas primeiro, o ar condicionado do cinema não é o suficiente para trocar do ar e eventualmente evitar contaminação”, conta o especialista.

Um dos lançamentos mais esperados na retomada é ‘Tenet’, que tem estreia prevista para 24 de setembro no Brasil (Foto: Reprodução/Warner Bros. Pictures)

Outra observação que ele faz é em relação aos assentos: é fundamental que exista uma distância entre eles, o que diminuirá consideravelmente a capacidade dentro dos cinemas. Isso gera um custo que pode ter impacto no valor do ingresso ou na margem de lucro do exibidor.

“Segundo ponto, após você usar o cinema, os assentos terão que ser higienizados, se possível esterilizados, eles vão conseguir fazer isso a tempo? Não sei, não é barato, é um custo que além do pessoal da limpeza – que vai ter que ter a capacidade de fazer uma higiene adequada até o intervalo para você ter uma higiene adequada. Ou seja, você não pode ter uma sessão logo em seguida, muito provavelmente terá que esperar uma ou duas horas para ter outra sessão”, completa o médico.

“Em ambiente hospitalar,
você espera duas horas
antes de usar a sala de novo”

Otsuka explicou que esse procedimento é indicado em hospitais também: “Em geral, até em ambiente hospitalar, quando você utiliza uma sala contaminada ou potencialmente que ficou contaminada, você espera duas horas antes de poder fazer alguma coisa naquela sala de novo”.

Outro ponto levantamento pelo médico é que algumas formas de prevenção utilizadas não são tão eficazes, como no caso de checar se há febre ou não:

“Não adianta você só ver a temperatura da pessoa, muitas não têm febre. Vai ter um monte de gente que não tem febre e pode estar infectado, pode estar transmitindo. Só febre é um parâmetro? Não! Então, são diversos outros cuidados que teriam que ser tomados e que ainda assim, não vão impedir que tenha alguém lá que, de repente, possa estar transmitindo”, finaliza o especialista.

Os cinemas estão preparados?

O projeto #JuntosPeloCinema, movimento que reúne profissionais e empresas do setor para incentivar a retomada os cinemas quando houver autorização dos governos, faz um contraponto à opinião do médico – afirmam que estão prontos, sim, para a reabertura:

“Os governos estaduais e municipais estão apresentando protocolos rigorosos e os cinemas estão se adequando a todos. Inclui, por exemplo, a redução do número de pessoas por sessão, o afastamento das pessoas com poltronas vazias entre elas, a oferta de álcool em gel para o público e outros”, informou um porta-voz do movimento ao Filmelier.

‘Harry Potter e a Pedra Filosofal’ faz parte da programação do Festival De Volta Para o Cinema, que acontecerá em setembro (Foto: Reprodução/Warner Bros. Pictures)

Além disso, eles também garantiram que tudo será desinfectado após as exibições: “Todo o cinema é higienizado, tanto as áreas comuns quanto as internas. Nossa preocupação é tanto com o público quanto com nossos times. Nas salas, haverá uma desinfecção antes de cada sessão, incluindo esfregar os braços as poltronas, entre outros detalhes”.

“Nossa preocupação
é tanto com o público
quanto com nossos times.”

“O espaço de tempo entre uma sessão e outra aumentou para que possamos fazer a higienização adequadamente e dentro dos protocolos determinados pelos governos”, completa o #JuntosPeloCinema.

Quando questionamentos sobre os cinemas de São Paulo estarem pronto para receber o público, o movimento diz que a resposta foi positiva. “Estamos aguardando a liberação por parte de cada prefeitura. Os cinemas estão e estarão preparados quando ela ocorrer”.

Vida quase normal

No último final de semana, fotos da praia de Ipanema lotada revoltaram usuários das redes sociais que seguem praticando o isolamento – e a recomendação médica ainda é essa: ficar em casa, se possível. O infectologista pediátrico Marcelo Otsuka afirma que “infelizmente, essa doença veio para ficar, ano que vem e depois, ela continuará aí. Não é que o vírus simplesmente vai parar de circular, diferente do que aconteceu com a Sars-CoV em 2002 e Mers-CoV em 2012”.

Logo, aqui no Brasil ainda não chegamos na época ideal para a retomada das atividades de comércio e lazer. “Neste momento o que nós temos de profilaxia – que é o que fazer para evitar ficar doente – é a vacina que ainda está em desenvolvimento e as medidas de prevenção como isolamento, uso de máscara e tudo mais. Já é o momento de começar a abrir cinema, bares e etc? Não.”

“É o momento de começar
a abrir cinema, bares e etc?
Não.”

O infectologista pediátrico Marcelo Otsuka pontua que se tivesse sido feito um isolamento rigoroso no em março, quando os casos ainda era baixíssimos, as coisas poderiam ser diferentes e teríamos ficado menos tempo em casa.

“Ainda tem uma taxa de transmissão considerada alta. Se desde o início tivéssemos feito algo talvez mais radical, hoje a gente estaria bem. Se o vírus não circula, ele morre. Se ele não para, ele vai continuar passando de pessoa para pessoa. Se você bloqueia a cadeia de transmissão desde o início, talvez a gente não tivesse mais o vírus circulando. Agora, do jeito que nós estamos, não tem mais como evitar. Difícil tomar uma medida de prevenção, a melhor delas é ficar em casa no momento”, completa o especialista.

Cinema da rede AMC indicando a nova data de estreia para ‘Mulher-Maravilha 1984’ nos EUA (Foto: divulgação / Warner Bros.)

Infelizmente, uma parte da nossa sociedade não tem dado a importância necessária para a pandemia. É possível ver pessoas nas ruas sem máscara, ou fazendo o uso inadequado, e não há respeito das regras de distanciamento – como no caso de filas.

O médico observa que os problemas estão relacionados a falta de postura do governo em educar a sociedade da necessidade de uma quarentena e também da falta de senso de coletividade das pessoas.

“Várias ideias vieram como os cine drive-ins, é o suficiente? Não, não é. Eu adoro cinema e eu sinto falta, mas será que vale a pena correr o risco? Nós, você, eu, talvez não tenhamos nada grave, mas será que não tem um avô ou uma avó, pai, alguém doente na família que possa ter uma doença grave se você tiver contato com ele? O grande problema é esse, não pensar no coletivo. A gente entende que a questão econômica acaba pesando, pois muita gente depende disso. Mas nós fizemos errado desde o príncipio, se lá atrás tivéssemos comprado a ideia de ‘vamos ficar em casa para ficarmos menos tempo possível afastados’, mas essa ideia não foi nem vendida e nem comprada, isso que acabou sendo o grande problema”.

Dicas de prevenção

Se você estiver realmente disposto a se arriscar e ir ao cinema, infectologista pediátrico Marcelo Otsuka tem algumas dicas que podem ajudar na prevenção:

“O cuidado ele parte de quando você sai de casa, desde de como que você vai para o local – se é por condução ou não, que você tome os cuidados para ter o menor risco possível, sempre usando a máscara adequadamente e evitar entrar em contato com outros lugares, chegando no cinema respeitar o distanciamento e acreditar que esse local fará as medidas adequadas de prevenção e transmissão. Isso acho que cabe a fiscalização, nós temos que ter uma fiscalização adequada checando isso. Nós não temos muita gente para fiscalizar, mas é importante que isso seja feito. Tomando essas medidas de cuidados da parte do cinema, o ideal é que você também deixe o local limpo”, recomendo o médico.

A pipoca pode ser um grande vilão na retomada dos cinemas, afirma especialista (Foto: Flickr / Cory Seamer)

Ele também pontua que deveria ser proibido comer nas salas – o que será possível – e aconselha que a pessoa traga de casa e que cuide de seu lixo. É importante esse cuidado – especialmente se tratado de um local que será usado por outras pessoas.

“O ideal é que fosse proibido comida nesse primeiro momento, se tiver mas que você mantenha tudo limpo, que você leve seu copo, sua pipoca para fora quando sair da sala, pois isso tudo gera contaminação. Seja asseado, é uma coisa difícil pro brasileiro. Vai sair do cinema, leve seu lixo e mantenha a distância das outras pessoas, não tente queira passar por cima dos outros, mantenha esse respeito. O mesmo cuidado para voltar. Chegando em casa, vai da sua consciência, você vive sozinho, tudo bem, se mora com outras pessoas, tome banho, troque de roupa, tenha cuidado com os outros”.

É importante lembrar que no Brasil já contabilizam mais de 121 mil vítimas de coronavírus, segundo os dados do consórcio de veículos de imprensa – o que dá 558 salas lotadas do Cinemark. A média do número de mortos segue em queda em 14 estados, em alta em quatro e estável em outros nove. Fora isso, já ultrapassamos a marca de mais de 3 milhões de infectados.

Crédito da foto de destaque: Chris Marchant / Flickr.