A Netflix está morta. Longa vida à Netflix! A Netflix está morta. Longa vida à Netflix!

A Netflix está morta. Longa vida à Netflix!

Após a queda em Wall Street, podemos dizer que a Netflix está morta? Nada disso, mas ela com certeza vai mudar muito a forma de fazer as coisas

Lalo Ortega   |  
1 de setembro de 2022 19:48
- Atualizado em 5 de setembro de 2022 15:31

Faz pouco tempo que fui convidado para um evento chamado Netflix Labs na Califórnia, onde fica a sede da conhecida (e ainda) gigante do streaming. Com todas as despesas pagas, jornalistas de todo o mundo viajaram para os escritórios da empresa em Hollywood e Los Gatos para o que era, em essência, uma demonstração de sua força.

Seu fundador, Reed Hastings, falou sobre fazer conteúdo para agradar a todos os públicos ao redor do mundo e em todos os dispositivos. Os executivos do estúdio se gabavam dos complexos processos de correção de cores para as imagens 4K de ‘Jessica Jones‘, uma série da Marvel que estava prestes a estrear sua segunda temporada.

Quatro anos depois, o quadro é radicalmente diferente. O poder da Netflix é ofuscado pela perda de mais de um milhão de assinantes durante o primeiro semestre de 2022 (a primeira vez em uma década). Franquias como a Marvel já são exclusivas da Disney+ (que, junto com Star+, ESPN+ e Hulu já ultrapassam a Netflix em assinantes). Para ter seus próprios conteúdos exclusivos, a empresa de Hastings faz apostas milionárias que nem sempre rendem dividendos.

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Em um mercado cuja concorrência é cada vez mais agressiva, o pioneiro do streaming foi forçado a tomar decisões difíceis, até mesmo contrárias ao que esperamos dele como consumidores. Decisões que levam a uma conclusão: a Netflix como a conhecemos está morta. É o fim de uma era para a experiência tradicional de streaming e para empresas que acreditavam que a única direção para o mercado era para cima.

A Netflix (e o streaming) como a conhecemos está morta; vida longa à Netflix
Este ano não tem sido muito gentil com a Netflix (Crédito: The Focal Project/Creative Commons)

Para nós na platéia, desta vez parecia uma espécie de bonança. A cada semana, a plataforma lançava mais conteúdo do que conseguíamos consumir, vindo de países tão diversos quanto Estados Unidos, México, Brasil ou até Tailândia. Os filmes no serviço não podiam ser vistos em nenhum outro lugar. Série estreavam com suas temporadas completas para que todos assistissem no seu próprio ritmo – embora, na verdade, reinavam apenas as maratonas, ou o famoso binge-watching“, como se popularizou na expressão em inglês. O preço da assinatura era acessível, incluía um mês grátis e podíamos compartilhar senhas com quem quiséssemos.

A bolha econômica desse crescimento estourou. A Netflix aprendeu da maneira mais difícil que o modelo era insustentável a longo prazo. “Nunca imitaremos um concorrente”, disse Hastings na edição de 2018 do Netflix Labs, mas suas recentes decisões de negócios tornarão sua plataforma mais parecida com seus concorrentes do que nunca.

Isso significa que a Netflix vai falir e desaparecer? Claro que não. Significa simplesmente que o modelo de consumo de streaming que ela popularizou já está de saída, então a empresa terá que se adaptar (assim como nós consumidores e nossas expectativas). E talvez – apenas talvez – consigamos algo melhor como espectadores.

Aqui analisamos todas as maneiras pelas quais a gigante do streaming começará transformações desde a raiz.

As razões pelas quais o modelo atual da Netflix está morto

Publicidade e cobrança pelo compartilhamento de senhas

A mudança mais óbvia e profunda tem a ver com um fato fundamental: no modelo atual, o valor das assinaturas simplesmente não é mais suficiente para sustentar financeiramente a empresa. No entanto, para o consumidor, a experiência da plataforma não justifica o aumento no valor da adesão (o que resultou no êxodo de assinantes).

Simplesmente aumentar ainda mais o custo das assinaturas não era uma opção viável para melhorar as finanças. A solução, por um lado, foi criar uma alternativa mais acessível, mas com anúncios, o que permitiria que ela fosse parcialmente subsidiada com receita publicitária. Além disso, um plano mais barato permite atrair de volta assinantes que deixaram a plataforma devido ao alto custo.

No entanto, vários detalhes sobre como o plano por anúncios da Netflix funcionará ainda não foram elaborados. Neste momento, sabe-se que a Microsoft vai gerir os anúncios, e já há estimativas de que, nos Estados Unidos, custaria entre US$ 7 e US$ 9 por mês (cerca de metade do que custa o plano padrão por lá, onde é cobrado US$ 15,49 por mês).

Ainda resta entender como será a experiência dos anúncios na Netflix (Crédito: Montagem/Filmelier)

Vale ressaltar que a implementação de planos de assinatura mais baratos com publicidade não é nenhuma novidade. Nos Estados Unidos, serviços como HBO Max e Paramount+ já realizam essa prática, e a Disney+ planeja fazê-lo (inclusive na América Latina) durante o próximo ano.

A outra nova fonte de renda que a Netflix planeja implementar é a cobrança por senhas compartilhadas fora do mesmo domicílio (segundo estimativas da própria empresa, 100 milhões de famílias usufruem do serviço sem pagar por isso). O método já está sendo testado em países como o Chile e deve se expandir para o resto do mundo em 2023.

Adeus às maratonas?

Todos sabemos como funciona: a Netflix anuncia uma nova temporada de uma série e, no dia da estreia, todos os episódios ficam disponíveis para, digamos, maratonarmos ‘Stranger Things’ de madrugada. Este sempre foi o caso e, historicamente, a empresa resistiu mudar essa maneira de fazer as coisas, alegando que seu serviço é fundamentalmente diferente da televisão linear.

Porém, o método de seus concorrentes prevê que o modelo de série da Netflix está morto, ou muito próximo disso. Historicamente, o Disney+ optou por lançar episódios de sua série um de cada vez (alguns com estreias de dois episódios). A HBO e o HBO Max demonstraram a validade do modelo linear com a arrebatadora e bem sucedida série ‘A Casa do Dragão‘, e o Prime Video – que faz assim há muito tempo – poderia colocar o último prego no caixão com os lançamentos semanais de ‘O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder’.

Embora a Netflix não adote totalmente essa estratégia (pelo menos não ainda), está claro que a empresa está disposta a testá-la muito em breve. Em outubro, a plataforma vai estrear a série antológica de terror ‘O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro’. No entanto, em vez de lançar todos os oito episódios de uma vez, o fará em pares entre 25 e 28 de outubro.

Não é certo que a empresa de Reed Hastings vá abandonar seu modelo tradicional de lançamento, pelo menos não no futuro próximo. Mas não se surpreenda se a quinta temporada de ‘Stranger Things’ sair com um episódio por semana.

O inimigo número #1 do cinema agora terá mais lançamentos… nos cinemas

Sempre houve uma tensão desconfortável entre a Netflix e a visualização tradicional. Por um lado, a estratégia da Netflix Originals tem sido oferecer produções exclusivas que não podem ser encontradas em nenhuma outra tela (algo que os puristas do cinema descreveram como alheio à experiência cinematográfica).

Essa separação rígida foi suavizada pela eterna busca da empresa de Hastings pelo Oscar: para se qualificar para as indicações, seus filmes tinham que estrear por pelo menos uma semana em alguns cinemas da Califórnia.

Ataque dos Cães no Oscar Netflix
Até agora, ‘Ataque dos Cães’ é o filme da Netflix que mais tempo ficou nos cinemas dos Estados Unidos (Crédito: Divulgação/Netflix)

No geral, isso foi o mais longe que a Netflix chegou a esse respeito (com algumas exceções, como o México, onde ‘Roma‘, de Alfonso Cuarón, teve um lançamento limitado em salas de cinema por algumas semanas). Sua relutância em ser lançado por longos períodos de exclusividade teatral custou o acesso ao Festival de Cinema de Cannes, por exemplo, já que a lei francesa exige essa janela de tempo para proteger os cinemas.

Isso, no entanto, parece estar prestes a mudar.

Recentemente, a plataforma anunciou sua programação de estreias para o restante de 2022, observando que várias delas receberão janelas substanciais de exclusividade nos cinemas, antes de chegar ao streaming. ‘Ruído Branco‘, de Noah Baumbach, estará exclusivamente nos cinemas em diversos países por pouco mais de um mês.

Caso semelhante ao de ‘Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades’, o novo filme do diretor mexicano vencedor do Oscar Alejandro González Iñárritu, que em seu país de origem terá uma janela de exclusividade de cerca de um mês e meio. Outros filmes que também chegam aos cinemas incluem a versão de ‘Pinóquio‘, de Guillermo del Toro, e ‘Glass Onion: Um Mistério Knives Out’, de Rian Johnson.

'Bardo': novo filme de Alejandro González Iñárritu ganha data de estreia na Netflix
No México, ‘Bardo’ terá uma janela completa de 45 dias nos cinemas (Crédito: Divulgação/Netflix)

Isso não é inédito, mas foi uma mudança que a pandemia instigou nos grandes estúdios que, ao longo do tempo, lançaram seus esforços no mercado de streaming. É sabido que Warner Bros. e HBO Max implementaram lançamentos simultâneos antes de adotar a janela de 45 dias, estratégia que Disney+ seguiu logo depois.

Mesmo em nichos menores, há o precedente da MUBI, que lançou filmes selecionados nos cinemas poucas semanas antes de lançá-los em sua plataforma. Hastings e companhia, ao que parece, só chegarão ao mesmo lugar por uma rota diferente.

O modelo cinematográfico da Netflix também está morto? Talvez, mas neste caso, a morte pode ser algo positivo.

Chega de “tudo para todos”

Ação indiana, romances filipinos, thrillers poloneses, comédias brasileiras, reality shows americanos… A lista de conteúdos da Netflix era interminável, com o objetivo de garantir que houvesse algo de todos os gêneros para todos os gostos, de e para qualquer país.

Dadas as perdas econômicas da empresa neste ano, esse desperdício parece chegar ao fim. Os relatórios sugerem que, em vez de tentar cobrir absolutamente todas as bases possíveis, a gigante do streaming optará por ir grande com apenas um punhado de produções (a ideia será investir US$ 150 milhões em um filme de grande sucesso – os famosos blockbusters -, e não US$ 30 milhões em cinco produções médias).

Em outras palavras: parece que os dias que choviam mais e mais conteúdos novos na plataforma todas as sextas-feiras acabaram.

A Netflix (e o streaming) como a conhecemos está morta; vida longa à Netflix
Algo para todos os gostos? Ou melhor algo que todos nós queremos ver? (Crédito: Freestocks/Unsplash)

Em teoria, isso pode ser positivo. O número de filmes e séries que o streaming emitiu nos últimos anos é esmagador. Não há vida humana que dure o suficiente para vê-los todos e, para ser franco, muitos deles eram um lixo absoluto.

Se o foco da Netflix, daqui para frente, for investir mais em filmes melhores, deve ser uma vitória para o público. A empresa já está fazendo esse tipo de investimento, mas será preciso colocar a lupa nos resultados.

A grande estreia da Netflix para o verão foi ‘Agente Oculto‘, um thriller de ação dos irmãos Russo (diretores do sucesso de bilheteria ‘Vingadores: Ultimato’), cujo elenco inclui Ryan Gosling, Chris Evans e Ana de Armas. Sua qualidade é discutível, mas com um orçamento de US$ 200 milhões, é o filme mais caro da Netflix até hoje. Foi o suficiente para ele chegar ao quarto lugar em popularidade no histórico Top 10 da plataforma, abaixo das produções menos caras.

A Netflix (e o streaming) como a conhecemos está morta; vida longa à Netflix
Quarto lugar… é o suficiente para uma produção de 200 milhões de dólares? (Crédito: Reproduzido de top10.netflix.com em 1º de setembro de 2022)

Não seria a primeira vez que a gigante do streaming promoveria uma produção de qualidade duvidosa como evento cinematográfico (semanas depois foi lançado o medíocre ‘Carter’, filme de ação sul-coreano). Mas se a Netflix espera estrear com lançamentos nos cinemas, e para que sejam lucrativos, terá que dar as rédeas de seus projetos a diretores mais capazes.

Publicado primeiro na edição mexicana do Filmelier News.

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