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‘A Chorona’ usa folclore latino-americano para falar de genocídio indígena

‘A Chorona’, filme escolhido pela Guatemala para representar o país no último Oscar e indicado ao Globo de Ouro em 2021, chega aos cinemas do Brasil nesta quinta-feira, 23. Dando uma cara diferente para o folclore latino-americano, o diretor Jayro Bustamante traz um conto de terror com um contexto histórico – e que consegue ser mais assustador que qualquer lenda.

O longa-metragem faz uma denúncia sobre o genocídio e abuso sexual indígena que aconteceu no país na década de 1980. De acordo com o dados da Comissão de Esclarecimento Histórico, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 200 mil pessoas morreram e outras 45 mil desapareceram durante a ditadura militar do ex-presidente Efraín Ríos Montt, entre 1960 e 1996.

Entrando em mais detalhes dos números citados, cerca de 10 mil guatemaltecos – a maioria indígenas – foram assassinados entre 1981 e 1983. Além das execuções, 448 aldeias foram destruídas. O número de refugiados chegou a 100 mil. Os crimes foram parte de massacres sistêmicos do regime de Ríos Montt contra a contra a população civil desarmada.
María Mercedes Coroy em ‘A Chorona’ (Crédito: Divulgação/Elite Filmes)

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Em ‘A Chorona’ vemos os desdobramentos do julgamento fictício do general Enrico (Julio Diaz), acusado de ter sido o mandante de parte dos genocídios ocorridos durante a guerra-civil guatemalense. No decorrer da trama, fica claro se ele é ou não culpado. Mas o foco aqui é em como sua esposa, filha e neta passam a lidar com isso. Com os militares ao seu lado, o general consegue ser inocentado. A população então resolve reagir com manifestações na residência de Enrico – e a família passa a ser aterrorizada pelo vivos e também pelos mortos. Neste contexto se desenvolve a lenda da Chorona, popular na América Latina e conhecida também como Bela da Meia-Noite, Mulher da Meia-Noite, Mulher de Branco, La Llorona e La Sayona.

A lenda da Chorona

A história da Chorona é famosa mundialmente, mas ficou muito popular e ganhou diversas versões no folclore da América do Sul. O que todas têm em comum é que o fantasma tem a forma de uma bela mulher que assassinou seus filhos e atrai suas vítimas com seu choro. Em alguns países, a assombração vai atrás de crianças e, em outros, de homens infiéis. Recentemente, a Netflix lançou ‘Selva Trágica‘, produção que traz a lenda na cultura Maia, que tem o nome de Xtabay – que é uma femme fatale sobrenatural que atrai homens que cometeram adultério para puni-los. No filme da Guatemala, o espírito quer vingança pelas vidas perdidas no genocídio indígena que o ocorreu no país.
‘A Chorona’ usa folclore latino-americano para falar de genocídio indígena (Crédito: Divulgação/Elite Filmes)

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Essa é uma forma muito inteligente de trazer um contexto de terror para a vida real. Algo semelhante foi abordado em ‘O Que Ficou Para Trás’, elogiado longa britânico lançado em 2020. A história usa do sobrenatural para falar sobre a situação dos refugiados sudaneses na Inglaterra. Usar este gênero, que já foi tão popular por enaltecer certos padrões de preconceito e machismo, é, sem dúvida, uma das melhores renovações que o terror poderia ter. Jordan Peele (‘Corra!’) e Ari Aster (‘Hereditário’) são dois nomes que se destacaram nos últimos anos justamente por isso. Ambos deram uma cara diferente para essas histórias – que, se no passado já tinham crítica social, passaram a ter também responsabilidade social.

O terror em seu âmbito mais real

Dessa forma, as produções de terror e suspense ganharam um peso ainda maior, a partir dos medos reais. Talvez isso seja ainda mais assustador, pois vemos a pior parte dos seres humanos e não são figuras como Jason Voorhees ou Freddy Krueger – que automaticamente passam a imagem de vilões sem escrúpulos e facilmente se tornam repulsivos. No caso de ‘A Chorona’ isso ganha outras camadas, já que tem o regime totalitário como um de seus temas. A família do general muda completamente a concepção que tinha dele a partir do momento que passam a suspeitar que, de fato, ele tenha algum envolvimento com as mortes de milhares de pessoas.
Julio Diaz é Enrico em ‘A Chorona’ (Crédito: Divulgação/Elite Filmes)
Quando analisamos ditadores sanguinários por fora – como Hitler ou Mussolini – é muito fácil desumanizá-los. No filme, vemos o lado humano de um homem deplorável e isso acaba levando a narrativa para outro patamar. Inclusive, a trama de Enrico se assemelha a Efrain Ríos Montt, que foi incriminado por fazer parte do genocídio indígena, mas teve a sentença anulada. Ele morreu em 2018 sem que um novo julgamento fosse finalizado. Em suma, o general ficou impune por seus atos. Em alguns momentos torcemos por um arco de redenção, pois essa é a voz humanizada que vem de nossa mente. Ao ver o filme, queremos acreditar que ninguém é completamente ruim – porém, em outros momentos, só queremos que o general tenha o que ele merece. Mas, afinal, o que ele realmente merece? Essa resposta você só terá assistindo a ‘A Chorona’.

O homem contra a mulher

O diretor Jayro Bustamante traz mais uma discussão, que casa muito bem com o enredo. As mulheres têm um papel fundamental no filme: o fato do fantasma da Chorona ser uma mulher sedutora traz à tona que, na verdade, ela é uma vítima e não o antro do mal, como o mito aborda. A dicotomia entre o bem e o mal tem também uma divisão de gênero. Os personagens masculinos contemplam o lado negativo, enquanto os femininas tem uma representação mais próxima do bem. Ninguém é tido como uma divindade, mas essa separação é bem clara. Um dos elementos que traz força para essa interpretação é a ligação da Chorona com a água e com sapos, que frequentemente aparecem quando sua presença é emanada. No campo espiritual, o animal está ligado às mulheres e representa purificação, fertilidade, transformação e prosperidade, assim como a água. ‘A Chorona’ chega hoje, 23, aos cinemas brasileiros e é uma daquelas produções que valem a experiência e a riqueza da história.

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Raíssa Basílio

Jornalista de cultura e entretenimento. Já passou pelo Papelpop, UOL e Revista Claudia escrevendo sobre beleza, moda, cinema, música e TV, e também trabalhou com produção na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Foi redatora do Filmelier.

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