Filmes

Coluna: “Meu primeiro emprego foi com o Zé do Caixão”

Já imaginou conhecer José Mojica Marins – o próprio o Zé do Caixão – icônico cineasta e ator? E mais: seu primeiro emprego ser trabalhar para ele? Essa, certamente, é uma história para contar! Foi o que aconteceu com Camila Marques, que foi editora do Filmelier no México e conta sua experiência nesta coluna. Confira abaixo!

O dia em que trabalhei para o Zé do Caixão

Era 2003 ou 2004, não lembro exatamente. Medrosa, como qualquer jovem de 23 anos em frente ao desconhecido, bati à porta de um apartamento na região central de São Paulo. Poucos instantes depois, um senhor de camisa clara, calça social, óculos de leitura, cigarro na mão e unhas enormes abriu a porta.

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– Bem-vinda, minha filha. Era o Zé do Caixão. Mas, se não fosse as unhas, podia ser um irmão mais novo do meu avô.  Na época, trabalhava para o Eugênio Puppo na Heco Produções. Era o meu primeiro trabalho no meu primeiro emprego da vida, e a ideia do Puppo era fazer uma mostra sobre José Mojica Marins, um dos grandes nomes do cinema nacional, que só foi ser concretizada anos depois. Minha missão naquele dia era organizar as fotos e papéis do acervo do Zé do Caixão em pessoa.
Se não fosse pelas unhas, podia ser um irmão mais novo do meu avô (Crédito: Divulgação)
Mojica – era assim que, rapidamente, passei a chamá-lo – me abraçou, mostrou a casa dele e me ofereceu café. Daí me mostrou o escritório, que era um outro apartamento no próprio prédio. O lugar era incrível, parecia um museu de cinema todo apertado. Ou, talvez, um museu sobre o próprio Zé do Caixão. Cheio de pôsteres, caixas e mais caixas.  Entrei em desespero, porque não ia conseguir catalogar tudo aquilo. – Não se preocupa, eu sei onde está tudo. Era organizado, mas da maneira dele. Mojica pediu que uma moça ajudasse com as caixas e tudo que ele mostrava me contava uma história, os causos. Ele lembrava de tudo, de todos.  Naquela época, tinha acabado de terminar o curso de cinema. Contei que o Ozualdo Candeias, um dos pioneiros do cinema marginal, havia nos dado alguns rolos de 35mm já vencidos – e que a gente da faculdade tinha usado para filmar o nosso curta de conclusão de curso. Ele perguntou do nosso filme, que era de terror, e conversamos sobre as gambiarras para filmar. Disso ele entendia como ninguém. Me perguntou também se eu queria dirigir – falei que era uma produtora nata. – Cinema se sente.  Nunca vou me esquecer daquelas palavras, ou daquelas poucas semanas que trabalhei ao lado dele. A lembrança que fica é a de um doce de pessoa, atenciosa e com uma memória da porra. Bem diferente do personagem. Mas a voz era igual.
O curta que gravamos na conclusão do curso da faculdade

Sobre o Zé do Caixão

José Mojica Marins iniciou sua carreira no final dos anos 1950, desempenhando múltiplos papéis como diretor, roteirista e ator. Em 1964, ele ganhou destaque ao interpretar Zé do Caixão no filme À Meia-Noite Levarei Sua Alma, personagem que surgiu de um pesadelo do próprio cineasta e logo se tornou icônico. Zé do Caixão virou uma figura central na Boca do Lixo, região conhecida por produções cinematográficas de baixo orçamento, forte apelo sexual e grande popularidade nos cinemas. Apesar da decadência da Boca do Lixo após o fim da censura da Ditadura Militar, Zé do Caixão ressurgiu nos anos 1990 através de reprises na TV, especialmente no programa Cine Trash, da Band. Seu último sucesso ocorreu com o filme Encarnação do Demônio em 2008, onde Zé do Caixão retornou para sua última história e o longa-metragem foi selecionado para o Festival de Veneza, revitalizando o interesse pelo personagem e reafirmando a influência duradoura de Mojica Marins no cinema brasileiro.

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Camila Marques

Camila Marques é editora do Filmelier no México.

Escrito por
Camila Marques

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