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A Netflix sabe que você reclama do catálogo deles, e Christopher Nolan pode ser a resposta

Um comentário constante nas redes sociais do Filmelier é sobre a qualidade do catálogo da Netflix. Para muitos dos nossos seguidores, a gigante do streaming tem deixado de lado os longas-metragens que teriam uma “grande qualidade” – e o recente aumento de preço da plataforma no Brasil pode ter sido a deixa para muitos cancelarem o serviço. Acontece que a Netflix sabe de tudo isso e quer dar uma resposta com duas palavras: Christopher Nolan.

O cineasta, famoso por filmes como ‘Amnésia‘, ‘A Origem‘ e a trilogia ‘Batman: O Cavaleiro das Trevas‘, está descontente com o estúdio que é a sua casa há 20 anos, a Warner Bros. Como você já leu aqui no Filmelier, Nolan ficou descontente com a mudança do estúdio em 2020, que colocou (nos EUA) os seus longas-metragens com lançamentos simultâneos nos cinemas e no HBO Max.

Na visão dele, tal comunicação com os criadores desses filmes não foi lá muito correta por parte da Warner.

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Por isso, a concorrência está esfregando as mãos para assinar um contrato com Nolan, já que o roteirista, produtor e diretor possui não só uma legião de fãs, mas é visto também como um dos cineastas mais criativos de Hollywood. É aí que entra a Netflix.
Christopher Nolan ao lado de John David Washington no set de ‘Tenet’ (Crédito: divulgação / Warner Bros.)
“Se e quando [o Nolan] vier com o seu próximo filme, é sobre saber se podemos ser uma casa para ele e o que precisamos fazer para fazer acontecer”, afirmou Scott Stuber, chefe dos filmes originais da plataforma, em entrevista de capa para a última edição da Variety. O executivo praticamente deu as chaves do cofre da empresa: “Ele é um cineasta incrível. Eu vou fazer tudo que puder [para tê-lo]. Nesse negócio, eu aprendi que você precisa ter zero ego. Eu apanho, sou derrubado, mas me levanto”. Claro que está tudo ainda no campo das intenções, mas, se o casamento acontecesse, não seria a primeira jogada do tipo: recentemente, a Netflix fechou um acordo com múltiplos filmes com a Amblin, produtora de ninguém menos que Steven Spielberg. Zack Snyder, outro cineasta com uma legião de fãs, já está finalizando o seu segundo filme para a plataforma, ‘Army of Thieves’. O ímpeto da empresa fundada por Reed Hastings tem a sua justificativa. Por anos, a Netflix contou com acordos de distribuição com grandes estúdios ou com as empresas que podiam repassar esses licenciamos – como Starz e Epix. Acontece que, com o recrudescimento da disputa entre as plataformas de video on demand por assinatura, muito desse conteúdo foi ficando inacessível e disponível apenas nos concorrentes que surgiram depois – como Disney+, HBO Max, Amazon Prime Video e tantos outros. Ter filmes originais, exclusivos, virou a solução. O problema é que muitos cineastas de renome já possuíam contratos com grandes estúdios, esses justamente que a Netflix está perdendo. É isso, agora, que a empresa de Los Gatos esta buscando reverter.
Com baixas dos grandes estúdios, a Netflix passou a apostar em filmes próprios – como ‘Resgate’ (Crédito: divulgação / Netflix)
“As pessoas não criticam a produção de um cineasta de renome. Normalmente elas acham que o problema é delas, e não do cineasta”, me confidenciou, certa vez, um executivo da Netflix. Ou seja, para eles, um filme com a grife Spielberg, Nolan e até Snyder pode ser a diferença entre ter lançamentos badalados ou um catálogo de pouco apelo. “Eu amaria que ele [Spielberg] fizesse filmes como ‘Os Goonies’ e ‘Indiana Jones’ para a gente”, disse Stuber na entrevista. “Ele faz essas grandes histórias melhor do que ninguém.”

O desafio para a Netflix ter Nolan

Obviamente, é necessário muito mais que dinheiro e força de vontade para ter o diretor de ‘Interestelar‘ em sua folha de pagamento. Nolan é, como sabemos, defensor da experiência do cinema, com paixões que incluem as pesadas câmeras IMAX e as suas enormes telas de exibição. Inclusive, o ponto de ruptura do cineasta com a Warner Bros. foi justamente a iniciativa para o lançamento simultâneo no streaming, o que, para os críticos do negócio, abala a presença nos cinemas – para a qual tais produções foram concebidas. A Netflix sabe dessa resistência dos mais conservadores, por isso tem oferecido a diversos filmes uma janela de exibição exclusiva na tela grande antes de chegar a todo o mundo via internet. Tal estratégia não só ajuda a deixar cineastas felizes, como também preenche os requisitos para participar de premiações como o Oscar – outra obsessão da empresa. Isso, no entanto, tem os seus percalços. O maior exemplo é ‘O Irlandês’: o diretor Martin Scorsese queria ver o seu longa-metragem de 209 minutos em cinemas de todo o país, mas acabou com um lançamento em pequeno circuito após resistência dos exibidores mais tradicionais. A verdade é que, ao menos até aqui, os originais Netflix tem sido mais filmes de video on demand do que de cinema – o que poderia afastar Christopher Nolan. Ainda de acordo com a Variety, a Netflix vê justamente no acordo com a Amblin como a “moção de confiança” de um nome tradicional da ex-Nova Hollywood no modelo do VOD, o que ajudaria a seduzir o cineasta mais novo. Talvez.
Steven Spielberg dirigindo Tom Hanks nas filmagens de ‘Ponte dos Espiões’ (Crédito: divulgação / 20th Century Fox)
Por mais que Spielberg tenha sido crítico à Netflix concorrer ao Oscar, comparando-a com televisão, a verdade é que o cineasta é cria da TV. Os primeiros trabalhos de certa relevância do diretor foram nessa mídia, incluindo seus primeiros três longas-metragens de respeito: ‘Encurralado’, ‘A Força do Mal’ e ‘Savage’. Isso sem mencionar o envolvimento de longa data da Amblin com televisão, inclusive com uma divisão especializada na antiga “tela pequena”, com títulos como ‘Animaniacs’, ‘Amazing Stories’, ‘ER’ e ‘Tiny Toon Adventures’. Nolan não tem esse perfil, sendo muito mais ligado com a experiência da tela grande do que qualquer coisa. O que pode mudar, claro, vide Zack Snyder: outro fã das câmeras IMAX, o cineasta abraçou o streaming com ‘Army of the Dead’ e até colocou pixels mortos de mentira no filme, para brincar com os espectadores em suas TVs e smartphones. Claro que o nome de Christopher Nolan pode ser só uma metáfora. Há outros cineastas queridinhos que poderiam encontrar um lar para chamar de seu no prédio espelhado cheirando a novo da Netflix em Hollywood. Alguns até já encontraram, como Noah Baumbach, Rian Johnson, David Fincher, Guillermo del Toro e Gore Verbinski, além dos nomes já citados.

Relevância cultural

Seja com Christopher Nolan ou não, Scott Stuber aponta que o caminho da Netflix é, agora, deixar marcas mais profundas na cultura – como longas como ‘Jurassic Park’ e ‘A Origem’, para ficar nos exemplos óbvios, conseguiram. “Nós temos que ser mais consistentes em fazer esses filmes culturalmente relevantes e colocá-los no espírito de nossa época”, afirmou o executivo. “Nós sabemos que há público para esses filmes, mas quero que as pessoas sintam o impacto em suas conversas com amigos e colegas, onde dizem ‘já ouviu falar desse filme chamado ‘Old Guard”? Nós fizemos isso, mas não de forma consistente.”
Scott Stuber na capa da Variety (Crédito: divulgação / Variety)
Stuber tem um ponto: estúdios como Disney e Warner Bros. lançam muito menos filmes anualmente que a Netflix, mas são produções que engajam muito mais as discussões. Já o serviço de streaming não teve nenhum fenômeno cultural que perdure, nem mesmo em seu top 10 de mais assistidos na história. Curiosamente, nenhum desses concorrentes consegue gerar o número de informações sobre o comportamento do consumidor do que a Netflix. A empresa de streaming sabe exatamente o que, quando e como as pessoas estão assistindo. Até mesmo quando você desiste do filme ou série, ou até mesmo o diretor ou ator que você mais gosta – mesmo que você não aceite isso. Porém, para Stuber, criar novos filmes a partir dessas informações não é tão simples. “É tudo instinto”, afirmou na entrevista. “As pessoas superestimam a importância dos dados. No final das contas, deve se perguntar: Você acredita nisso? Você tem paixão por isso? Você acha que vai funcionar?”. Realmente, está aí algo que engaja e envolve mais do que qualquer dado, do que qualquer nome, do que qualquer ideia: paixão. Talvez seja isso que esteja faltando na equação da Netflix, incluindo na hora da experiência de se assistir a algo na plataforma…

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Renan Martins Frade

Jornalista especializado em cinema, TV, streaming e entretenimento. Foi por 11 anos editor do Judão e escreveu para veículos como UOL, Superinteressante e Mundo dos Super-Heróis. Também trabalhou com a comunicação corporativa da Netflix. Foi editor-chefe do Filmelier.

Escrito por
Renan Martins Frade

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