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‘Till’ mergulha em caso trágico com produção genérica

Emmett Louis Till era um rapaz afro-norte americano, filho único de Mamie Till, que foi passar as férias com primos e tios em Money, uma pequena cidade no sul dos Estados Unidos, no Mississipi, nos anos 1950. Tudo parecia bem, tudo parecia certo. Até que o rapaz entrou em uma lanchonete de brancos e conversou (repito, conversou!) com a dona. Foi o bastante para ele ser sequestrado, torturado e morto. E essa é a história de ‘Till‘, drama que estreia esta quinta, 9.

Dirigido por Chinonye Chukwu (‘Clemência’), o longa-metragem não apenas fala sobre o assassinato de Emmett, como também se debruça no “depois”. Mostra, em detalhes, a luta da mãe do jovem rapaz assassinado (Danielle Deadwyler, de ‘Vingança & Castigo’) para condenar os assassinos de seu filho e fazer valer o direito das minorias no sul dos Estados Unidos, em uma época que a segregação ainda era muito forte na região e o preconceito era “institucional”.

Qual a história de ‘Till’?

A partir disso, Chukwu dirige com sensibilidade histórias, personagens e acontecimentos que não apenas marcaram esse caso em específico, como também a história do preconceito e do racismo nos Estados Unidos no século passado.
‘Till’ fala sobre uma mãe em busca de justiça pela memória de seu filho (Crédito: Universal Pictures)

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A decisão da mãe em deixar o caixão do filho aberto, mesmo desfigurado e praticamente irreconhecível, é um dos momentos mais fortes desse cinema de luta, de embate, que mostra como a jornada de uma minoria foi árdua e dolorosa. As reações das pessoas quando viam o rosto de Emmett (principalmente a tia, que se sente culpada pela morte do rapaz) é uma pancada. Lembra a sensação de desespero em ‘Fruitvale Station’ e ‘When They See Us’. Até mesmo pequenas pinceladas de reações e contatos com pessoas envolvidas com Emmett, como a conversa que Mamie Till tem com sua mãe (Whoopi Goldberg, que também assina a produção), ajudam a construir um propósito e a mostrar como ‘Till’, em sua essência, é um filme que sabe provocar enquanto também emociona e sensibiliza. Em uma mão, nos mostra o que há de pior no ser humano. Na outra, como as reações e relações podem, enfim, nos salvar.

É um bom filme?

Até a metade do longa-metragem, poucas coisas no cinema de Chinonye Chukwu estão desalinhadas. Como ressaltado, é uma história que instiga, provoca, causa emoções em nosso coração que nos tiram do lugar. Mas, depois dessa primeira hora de projeção, algumas coisas começam a cair no lugar-comum e fazem de ‘Till’ um filme banal. A começar por toda a questão envolvendo tribunal. Obviamente é algo que precisava estar ali, retratado na tela, ainda mais por todo o absurdo que é saber que a permissão para linchamento, no Mississipi, foi revogada apenas em 2022 –pouco antes de completar 70 anos de sua morte. O trabalho da mãe em tentar condenar os assassinos, ou pelo menos mostrar para os criminosos que há luta do lado dos oprimidos, é algo que precisa ser celebrado até os dias de hoje.
Mas ‘Till’, enquanto isso, cai na mesmice. São conversas, assuntos e cenas que já vimos por aí, em outros filmes igualmente mornos como ‘Luta por Justiça‘ ou até mesmo ‘Selma‘. A luta acaba desembocando em momentos que não a mostram diretamente, em efervescência, mas com conversas, tentativas burocráticas e afins. A direção apenas correta de Chukwu, sem nada de original ou criativo, reforça a sensação de repetição. E aí vem o outro problema.

‘Till’: o cansaço de histórias trágicas

Assim como vira e mexe bato na tecla que já deu a quantidade de filmes LGBTQIA+ que terminam em tragédia, mesmo quando não precisam acabar em desgraça (como ‘Verão de 85’, de François Ozon), também há a sensação de que quase toda produção sobre personagens negros fala sobre morte, violência, desgraça. Obviamente, é um tema que precisa ser tratado e debatido. Mas será que não podemos pensar em outras histórias? É um cansaço pessoal — e que, neste momento, também faço um convite para ler um texto de quem tem lugar de fala, do Assim Falou Victor. Toda a burocracia de ‘Till’, ao lado dessa sensação de que estamos sempre andando em círculos com histórias que se repetem, como se fosse um Dia da Marmota bastante infeliz, acaba deixando a produção com um gosto amargo.

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E se você, caro leitor, não está concordando neste ponto, só pense em filmes sobre histórias protagonizadas por negros. Há, sim, um cinema mais contemporâneo que foge disso (‘Nós‘, ‘Não! Não Olhe!‘), mas é pouco perto da parcela de filmes que vão no caminho contrário. Além dos que já foram citados, há ainda títulos como ‘Histórias Cruzadas‘, ‘Green Book‘, ‘12 Anos de Escravidão‘, ‘O Ódio que Você Semeia‘, ‘Mississipi em Chamas’ e por aí vai. Se ‘Till’ tivesse uma condução um pouco mais criativa, com algum tipo de originalidade em cima do trato da história que flerta com um documentarismo burocrático, talvez não houvesse essa sensação tão ruim, adversa, amarga. Mas, pelo menos, devemos no final observar duas coisas. Primeiro, que o filme traz uma história que, infelizmente, ainda é assustadoramente real. Isso é indiscutível. Em segunda lugar, conta com uma atuação fortíssima de Danielle Deadwyler que tenta escapar da burocracia da direção e do roteiro com uma atuação forte, emocional, sincera. Difícil não embarcar na sua personagem e no final, apesar de todos esses pesares do filme, sentir um vazio no peito.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

Escrito por
Matheus Mans

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