Trata-se de uma anomalia em todos os sentidos. O filme dirigido por Brian Duffield (Espontânea) não se baseia em nenhuma franquia conhecida. Opta por uma narrativa quase desprovida de diálogos. Mesmo assim, consegue ser espetacular, mas tem uma profundidade emocional que vimos em muito poucos filmes do gênero este ano, talvez excluindo Fale Comigo e alguns outros. E, em vez de um grande elenco, temos a sempre brilhante Kaitlyn Dever (Fora de Série) carregando o filme nas costas.
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É um dos filmes mais sólidos no repertório da Disney e da 20th Century Studios, que funciona tanto como um filme de monstros para entretenimento, quanto em um nível alegórico que o eleva acima do espetáculo mundano. E a empresa, em plena crise devido a greves e ao declínio das bilheteiras de suas franquias, optou por lançá-lo no streaming.
Não é apenas outro filme de monstros
Superficialmente, a premissa de Ninguém Vai Te Salvar é a mais básica. Brynn (Dever) é uma jovem costureira que vive sozinha na casa onde cresceu. Parece isolada de sua comunidade: quando tenta cumprimentar desconfortavelmente um vizinho, recebe em troca um gesto de desgosto. Ela é solitária, mas, além das cartas que escreve para uma amiga misteriosa, parece satisfeita com essa solidão.
Só que então, a invasão acontece: uma noite, um intruso aparece em sua casa. Depois da ambiguidade inicial, no entanto, Duffield não complica as coisas: são visitantes de outro mundo que, aparentemente, desenvolveram uma preferência pelo bairro. O diretor e sua equipe não se incomodam em complexificar os invasores: exceto por algumas variações pequenas e gigantes, estamos diante dos básicos homenzinhos cinzentos, o estereótipo mais famoso dos alienígenas. Isso porque o foco narrativo de Duffield está em outro lugar. Quando Brynn busca ajuda na polícia, uma mulher na delegacia a rejeita. Os outros vizinhos agem de maneira estranha. Ela está isolada, não apenas fisicamente, mas também psicologicamente. A partir daí, em termos de ação, Ninguém Vai Te Salvar progride de forma um tanto previsível: Brynn tem mais encontros com os invasores e precisa lutar pela sobrevivência. Mas a essa altura, o diretor e roteirista já semeou as sementes de várias incógnitas por meio de pistas sutis. Por que Brynn está tão sozinha? Por que ela é rejeitada pela comunidade? Quem é essa amiga Maude para quem ela escreve, e o que aconteceu com ela? A luta contra a invasão, portanto, acaba se tornando uma luta por algo mais pessoal.
Sem adentrar nessas questões, Ninguém Vai Te Salvar funciona como um espetáculo de terror. Apesar dos elementos genéricos do filme, há uma tensão palpável e sufocante o tempo todo. Duffield e seu diretor de fotografia, Aaron Morton, sabem quando esconder, quando mostrar (e o que mostrar) para criar imagens assustadoras que teriam sido fenomenais em uma tela grande. É uma pena experimentá-la desta forma. No entanto, o filme também opera em um nível alegórico, onde a invasão do bairro é, ao mesmo tempo, uma invasão na psique. O mundo externo penetra na mente, trazendo à tona traumas e despertando ressentimentos do passado. Embora convide a diversas interpretações como Não, Não Olhe!, o filme a que deveríamos compará-lo é Rua Cloverfield, 10. Seria, pelo menos, uma sequência muito mais satisfatória e tematicamente congruente do que foi O Paradoxo Cloverfield. Portanto, Ninguém Vai Te Salvar é um daqueles filmes que não apenas provocam terror, mas também ajudam a exorcizar demônios e alcançar uma catarse, desenvolvendo aos poucos a complexidade psicológica de sua protagonista. O mais admirável é que Duffield e sua equipe conseguem isso por meio da imagem cinematográfica pura, essa criatura cada vez mais rara e esquiva. Alguém avise ao Christopher Nolan.
Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.