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Por que Stephen King vai tão mal nos cinemas?

Não tem discussão quando se diz que Stephen King é um dos autores de maior importância e sucesso da atualidade. O norte-americano continua prolífico, mesmo aos 75 anos, já publicou mais de 60 livros, cerca de 200 contos e vendeu aproximadamente 400 milhões de cópias de suas publicações. No entanto, aproveitando a estreia de Boogeyman, também há uma outra afirmação que ocorre com tranquilidade: King não repete o sucesso nos cinemas.

Quais são os filmes de Stephen King nos cinemas?

Nesta lista do Letterboxd, conseguimos identificar cerca de 130 filmes inspirados em histórias do mestre do terror. Sejamos sinceros: dali, quantos realmente se salvam? Seis são unanimidade: O Iluminado, Um Sonho de Liberdade, À Espera de um Milagre, Misery, Conta Comigo e Carrie, A Estranha. Filmes que se tornaram clássicos de seu tempo, sob direção de nomes como Stanley Kubrick (rival de King), Brian De Palma e Frank Darabont.

Para além disso, alguns são debatidos, mas não unânimes. É o caso da mais recente versão de It: A Coisa (a anterior era um especial para TV bem desconjuntada, apesar de Tim Curry), Na Hora da Zona Morta e a versão de 1989 do estranho Cemitério Maldito. Vale também destacar O Nevoeiro, filme para a TV dos anos 2000 que, na época de seu lançamento, recebeu críticas mistas, mas que está ganhando força com o passar dos anos.

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  • O Iluminado é um dos maiores sucessos de King nas telonas — e conta com várias diferenças entre livro e filme (Crédito: Warner Bros.)
    Mas e os outros 120 filmes? Muitos deles são intragáveis, vários beiram o ridículo. Como levar a sério John Cusack tendo pesadelos em um quarto de hotel em 1408, mas sem qualquer senso de história? Como embarcar na fantasia anti-épica de A Torre Negra, que talvez seja uma das sagas mais celebradas de King? Ou, falando de Boogeyman, mergulhar na história que tenta emular tudo que deu certo (sem sucesso) em O Babadook?

    O que acontece com Stephen King nos cinemas?

    O pior de tudo é que vários desses filmes ruins são, na verdade, boas histórias. Quem lê os livros de A Torre Negra mergulha em uma jornada épica de fantasia ousada e criativa. Até mesmo o conto que inspira Boogeyman dá medo de verdade – a gente, virando as páginas, fica angustiado. Vale lembrar também de Christine, o Carro Assassino: um dos piores filmes de terror dos anos 1980, cheio de bizarrices, mas que funciona muito bem como literatura. Isso sem falar de alguns menos conhecidos, felizmente, como Celular. Um livro enérgico e desesperador transformado em um thriller que não emociona nem uma criança pequena. O fato é que, em seus livros, Stephen King não tem uma narrativa tradicional, encadeando descrições de cenários com diálogos. Seus livros, independente da fase do autor, contam com muitos momentos de fluxo de consciência. Mas diferente de Lygia Fagundes Telles ou de Clarice Lispector, por exemplo, que faziam narrativas inteiras passadas na cabeça de uma pessoa, King insere esses pensamentos no meio da história linear, tradicional. Isso é impossível de se colocar na tela do cinema. Não tem como. Com isso, diretores e roteiristas – muitas vezes não muito brilhantes, como Mick Garris – acabam recorrendo aos clichês. Em Na Hora da Zona Morta, por exemplo, o mergulho na mente de Johnny Smith é perturbador. King sabe como fazer essa descida ao inferno. No filme, porém, Christopher Walken é soterrado de chavões que fazem pouca diferença, como chutar um cachorro à toa.
    Na Hora da Zona Morta é bom, mas nem chega perto do livro (Crédito: Paramount Pictures)
    Em Boogeyman, enquanto isso, há um claro problema de direcionamento: o filme começa como uma típica história de um bicho-papão, mas termina como uma espécie de metáfora (bem batida) sobre depressão e luto. Esse aspecto psicológico não está ausente do conto de Stephen King, mas tampouco tem essa divisão tão clara. O monstro cresce na história conforme entendemos como essas pessoas estão vivendo um período sombrio.

    O estigma Stephen King

    Por fim, há um elemento crucial nisso tudo: Stephen King é conhecido como o mestre do horror, certo? Ele cria histórias assustadoras sobre um homem possuído por um hotel, sobre um carro assassino, sobre um cão com raiva. E ficamos com medo, é claro. Afinal, o escritor instiga a imaginação do público que, por sua vez, coloca uma imagem naquelas figuras que se tornam mais perturbadoras daquela forma. Nos cinemas, isso passa por um diretor que dá vida para aquela criatura ou sentimento – e nem sempre isso nos dá medo. Mas, além disso, King tem um estigma de escrever histórias arrepiantes. E não é sempre assim. Ele também escreve ficção científica, suspense e até aventura. São histórias que até podem contar com elementos do terror, mas não são essencialmente desse gênero. No entanto, estúdios, produtores, diretores e roteiristas tentam encapsular essas tramas naquilo que King é mais conhecido e o filme, enfim, se torna desvirtuado de sua ideia.
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  • O fracasso de Under the Dome resume bem o estigma de Stephen King (Crédito: CBS)
    Esse exemplo pode ser bem percebido em uma série: Under the Dome. É, essencialmente, um ficção científica misturada com suspense e horror – e não o contrário. No entanto, os criadores acabaram prolongando demais a história e desvirtuando o que funcionava, de fato, no livro. A série, que começou bem, terminou como um fracasso retumbante. E o livro, apesar disso, é ótimo. Sabe passar a sensação de desespero da redoma sobre a cidade. Com isso, fica uma dica: mesmo que não tenha gostado de algum filme inspirado em uma obra de Stephen King, dê uma chance aos livros. Há histórias ruins no caminho? É claro. Impossível escrever 60 livros e não errar. Mas, de alguma forma, a maioria é de boa literatura. Não vai causar grandes reflexões, tampouco são histórias que mudam a vida. Mas é um entretenimento mais do que agradável – e que vale mais do que os filmes.

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    Matheus Mans

    Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

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